Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

sábado, 21 de fevereiro de 2015

LIVRO n.4 - Lançamento em 03/03/2015

Sobre o livro, diz-se que ele se desdobra em múltiplas artes. Um livro fala por si. A linguagem está no seu corpo e se expressa no formato, no tipo de papel, na composição das páginas, nos cortes, no dorso, no cheiro, nas traças e noutros vestígios do tempo.


 “Dossiê” traz um tema tradicional, embora não o sejam necessariamente as abordagens desenvolvidas. Donde a ideia de revisitar as bibliotecas principescas, gérmens de algumas grandes instituições que hoje atendem pelo nome de Biblioteca Nacional – transformação que diz muito sobre a formação dos Estados ocidentais na era contemporânea – até questões hodiernas, fundadas na vida universitária, quando a mais antiga instituição do livro deve corresponder aos desafios propostos por uma revolução informacional em curso.
Fotografia de Patricia Osses
“Conversas de Livrarias” vem em dose tripla. Em “Memórias Breves de um Rato de Livraria” temos um relato sincero e lúcido de Ubiratan Machado, um estudioso notável do assunto. Jerusa Pires Ferreira é uma andarilha que percorre com a mesma desenvoltura os sertões e as grandes cidades. Neste número a autora presta homenagem à Livraria Francesa, fundada por Paul Monteil, na rua Barão de Itapetininga, em São Paulo, nos tempos em que o Centro era habitado por leitores e por bons livreiros. Rubens Borba de Moraes bem compreendia a importância das livrarias na vida de uma cidade, dir-se-ia, na vida dos homens. É o que ele conta, dentre outras coisas, em “Conversa de Porta de Livraria”, em texto inédito apresentado por Ana Maria de Almeida Camargo, sua herdeira intelectual inconteste.
“Almanaque” vem recheado de novidades, não só em termos de conteúdo, mas também de colaboradores. Nelson Schapochnik e Cláudio Giordano, nossos anfitriões habituais, dividem a “casa” com os recém-chegados Jean-Pierre Chauvin, Walnice Nogueira Galvão – que já estampou seu nome em outro número – e Maria Viana. O resultado? Tem leitura para todos os gostos e curiosidades, que vão de Machado a Oswald. Ou de Daudet a Geir Campos. Ou, ainda, do Padre Vieira a João do Rio, noutros termos, da Arte de Furtar à Arte de Perambular.
"Sin Palabras", de Patricia Osses
As seções “Arquivo”, “Acervo” e “Memória” conformam locus distintos para a reunião de matérias que respondem a um só objetivo: preservar a memória do livro. Trata-se, no fundo, de materializar sob a forma impressa a missão do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição (nele-usp) ao qual se filia a revista. Enquanto a primeira se caracteriza pela apresentação de matéria bruta extraída de bibliotecas e de arquivos que guardam preciosa brasiliana, as duas outras se voltam, respectivamente, para o colecionismo e, dentro desse tema amplo, para as curiosidades e estudos baseados nesta prática tão salutar; o que deixa para “Memória” a função dupla de resgate e de reflexão sobre homens e livros que marcaram data. Neste número homenageamos o tipógrafo Giambattista Bodoni (1740-1813) através de um estudo minucioso de seus caracteres orientais, por Andrea de Pasquale, que dirigiu durante anos a Biblioteca Bodoni, em Parma. Dois acervos fazem jus à arte de colecionar: o de cordéis, de Cristina Antunes e o fruto colhido em um acervo modernista, uma história deliciosa, contada por Ésio Macedo. “Arquivo” encerra com chave de ouro a trinca documental com a seleção, introdução e notas por Leopoldo Bernucci da correspondência de Euclides da Cunha para Vicente de Carvalho.
“Bibliomania” e “Estante” coloca em cena as novidades do mercado editorial daqui e d’além-mar. A seleção propõe diferentes itinerários sobre a matéria livro. Imperdível! Dando sequência às seções novidadeiras, três alunas do curso de Editoração da usp discorrem sobre as relações entre o cinema e o livro em “Debate”. Evoé jovens editoras!
"Missing", de Patricia Osses
Em “Leitura” as artes e linguagens do livro corroboram a importância de uma revista especializada e estimulam a sua produção. Do ponto de vista geográfico, a viagem é longa: Brasil, Portugal, Espanha, França e Inglaterra. Não se trata, todavia, de uma via de mão única. Nesse itinerário autores, livros, críticos e artistas trafegam livremente, compondo influências, transferências e transculturações, mesmo que muitos deles nem tenham saído de seu sítio original. Em foco, estudos sobre os romances ingleses e seus leitores na Corte do Rio de Janeiro; Alexandre Dumas; Balzac; Clarín; Sidónio Muralha; os ilustradores de Drummond; Santa Rosa; Eugenio Hirsch; Graciliano Ramos; e, por fim, Euclides da Cunha compõe com Flávio de Barros objetos de uma investigação profunda sobre as relações entre as palavras e as imagens. Impossível detalhar contribuições tão originais, quanto perturbadoras nos limites deste editorial. Cumpre dizer que a cada ponto final de um artigo fica a sensação de que a viagem apenas começou, restando aquela vontade boa de saber mais sobre os caminhos percorridos.
“Letra & Arte”, cada vez mais viva e melhor, nos honra a todos com a seleta de artistas e suas artes cuidadosamente recolhidas pelo editor José de Paula Ramos Jr. É ler para crer!

Finda a jornada, os editores se perguntam: quantos livros, enfim, não se encerram em um só volume desta revista ? Livro n.4 se apresenta como objeto de inspiração para os usos e abusos que se faz dos livros. E com os livros. E sobre eles. Dentro dos truísmos acima evocados, melhor é pensar que a Livro, assim como os livros, se apresenta como uma longa viagem cujos itinerários são apenas sugeridos, pois cabe a cada leitor se enveredar por suas próprias trilhas. E que venha Livro n.5!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Entre Livros e Selfies (made man)


Textos sem Autores ? Edição sem Editores ?

No mundo atual da escrita e da publicação, a figura do editor tem se colocado frequentemente à prova. Autores que se autopublicam reproduzem um mito já bastante conhecido e que se acreditava desgastado do self made man. Há casos mais curiosos em que a edição de um livro pelo autor se apresenta com tanta simplicidade e imediatismo ao ponto de se acreditar que a diferença entre um livro e um selfie – outra palavra da moda – está no tempo do click. Espera-se que a escrita seja gerada em um intervalo relativamente mais lento.
Se a ideia de uma edição sem autor não soa tão estranha quanto a da edição sem editor, é possível, enfim, decretar a morte dos editores? Foi sempre assim?
Editores e autores possuem uma história tão longeva quanto os livros. Nem sempre caminharam juntos e, pensando bem, estiveram sempre em descompasso. Para situar um e outro apenas na era do impresso, ou seja, nos longos séculos que perfazem a segunda revolução do livro, cumpre informar que a história conheceu um “século do autor”. Primeiro na Inglaterra, após 1709, após a assinatura do Estatuto de Ana, o qual reconhecia o direito do copyright ao autor. Depois, na França das Luzes, quando os intelectuais reivindicaram, a exemplo do que ocorria na grande ilha, a posse e o direito por seus escritos. Para resumir a história, ou pelo menos fixá-la em apenas um aspecto, a saber, o da profissionalização dos agentes do livro, interessa observar que estava em jogo, naquele momento, o fim do mecenato. Portanto, a perspectiva de um autor viver de suas próprias penas.
Não demorava este movimento atingir o outro vértice da cadeia produtiva do livro, a saber, o editor. Na Renascença eram eles eruditos cujas funções se articulavam com a de sábios tipógrafos, a exemplo do helenista Aldo Manuzio (1450-1515). Outros impressores e livreiros demonstravam maior pendor para os negócios, o que não desmerecia a importância de suas funções.
Foi apenas no século 19, não por acaso “o século do editor”, que este passou a se confundir com a figura de um cavalheiro de indústria. Apresentavam-se mais ciosos pelo lucro do que pelas letras.
O que demonstra este breve histórico? A atual revolução por que passa o mundo editorial – e todo o aparato tecnológico que ela comporta – faz supor que a edição se tornou uma tarefa solitária e individual, tanto quanto se acreditava ser a escrita. Viveríamos hoje um revival do autor, o Deus-ex machina da era romântica? Autores podem – e devem – projetar luz sobre suas produções. Afinal, são tão numerosos os canais de distribuição, quanto os suportes de comunicação. Porém, entre a atividade do pensamento, da escrita, da revisão, da composição, da impressão e da venda de um livro, quantos caminhos e descaminhos percorrem um original até sua conversão em livro? O que nos leva a concluir que um livro de um homem só constitui uma realidade excepcional – por mais que se afirme o contrário.