Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

NOVIDADE EDITORIAL: Histoire et Civilisation du Livre, revue internationale XI


Nova edição revista HCL apresenta um dossier especial sobre a literatura política panfletária na França do século XVII

Histoire et civilisation du livre é uma revista internacional, que se inscreve em uma longa tradição de estudos no campo da história do livro, fundada na escola francesa por Lucien Febvre e Henri-Jean Martin, no clássico O Aparecimento do Livro, cuja primeira edição data de 1958.
A revista se apresenta como um anuário, rico em ilustrações e densidade de material. Embora a maior parte dos artigos se apresente em língua francesa, deve-se considerar em sua galeria uma plêiade de pesquisadores que cobrem hoje todo o mundo universitário, do Japão às Américas, passando por todo o continente europeu, de leste a oeste. Tal caractéristica confirma seu caráter internacionalista, ratificando uma tendência expressa no chef d'oevre de Fevbre e Martin, há mais de meio século.
Nesse número, a HCL se volta para uma problemática da maior relevância, a saber, a produção da literatura panfletária, de conteúdo político, na França do século XVII. E o faz colocando em cena a coleção de panfletos difunddos nos tempos da Fronda, os quais tinham como principal alvo o Cardeal Mazarino (1602-1661), o poderoso e temido sucessor de Richelieu na França, arquiteto mór da centralização do Estado, sob o reino de Luís XIV.
Ao desbravar as "mazarinades" pelo mundo, como dissemos, da Europa até as Américas e o Japão, o dossier sugere, de partida, uma rica cartografia da difusão desses impressos. O mapeamento, por si só, constitui projeto dos mais importantes, pois estimam-se pelo menos 5.000 títulos! No mais, as análises são ricas do pondo de vista dos conteúdos que exprimem, o que dá bem a medida da sátira política nesses tempos difíceis de crise, carestia e guerra civil. No mais, o material deve despertar o maior interesse aos pesquisadores que se voltam para o estudo dos circuitos de produção e difusão de panfletos políticos, o que não se restringe apenas à temática francesa, mas às novas abordagens e perspectivas que o dossier aponta.


Sommaire du numéro XII (2016)

MAZARINADES, NOUVELLES APPROCHES (dossier préparé par S. Haffemayer, P. Rebollar et Y. Sordet)
S. HAFFEMAYER, P. REBOLLAR, Y. SORDET, « Introduction »
Fonds et collections
- B. BLASSELLE, S. PASCAL, « Le fonds des mazarinades de la bibliothèque de l’Arsenal »
- A. TOFTGAARD, « La collection de mazarinades de la Bibliothèque royale de Copenhague »
- C. VELLET, « Les mazarinades à l’affiche ? Armand d’Artois et la collection de la Bibliothèque Mazarine »
- L. FERRI, « Inter folia venenum. Les collections de mazarinades aux Etats-Unis (1865-2014) »
- T. ICHIMARU, « Enjeux de la numérisation des mazarinades »
Production typographique, diffusion éditoriale
- F. QUEYROUX, « “Plumes bien taillées” contre “livres très pernicieux à l’Etat” : Gabriel Naudé et les mazarinades »
- C. KÜRSCHNER, « Les imprimeurs rouennais et la Fronde : une étude des fonds normands de mazarinades »
- J.-D. MELLOT, P. DROUHIN, « Les mazarinades périodiques : floraison sans lendemain ou tournant dans l’histoire de la presse française ? »
Approches littéraires et lexicologiques
- T. MATSUMURA, « Remarques lexicographiques sur le mot “mazarinade” »
- P. REBOLLAR, « Mensonge et tromperie dans les mazarinades »
- A. AMATUZZI, « La politique au service de la langue : la valeur des mazarinades pour l’étude du français classique »
- C. NÉDELEC, « La Fronde, une guerre comique ? »
- A. GÉNETIOT, « Porter la parole des grands : les mazarinades de Sarasin »
- M. TSIMBIDY, « Usages des mazarinades dans les Mémoires de la Fronde »
La bataille de l’imprimé : médiatisation et communication politique
- M. GRIESSE, « Les soleils de la Fronde : analogies stellaires dans les mazarinades »
- S. HAFFEMAYER, « Mazarin face à la fronde des mazarinades, ou comment livrer la bataille de l’opinion en temps de révolte (1648-1653) »
- C. SAAL « “Faire voir par l’histoire” dans les mazarinades. Usages du passé entre rhétorique et bagages culturels »
- F. BENIGNO, « The fate of Goliath: uses of history in the mazarinades »
- Y. RODIER, « Les mazarinades génovéfaines et la stratégie politique de l’odieux (avril-septembre 1652) »
- V. DORBE-LARCADE, « Autour des ducs d’Epernon, l’école de la mazarinade (1588-1655) »
- E. AVOCAT, « Les mazarinades, une préface à la Révolution ? »
Approches comparatives : les corpus pamphlétaires européens du XVIIe siècle
- S. NAWROCKI, « Les dynamiques de publication et la diffusion des pamphlets autour de Marie de Médicis en exil (1631-1642) »
- A. HUGON, M. LEDROIT, « La bataille de l’imprimé en Catalogne à l’époque de la Guerre de Séparation (1640-1652) »
- H. HERMANT, « Les campagnes pamphlétaires de don Juan José de Austria : des mazarinades espagnoles ? Politisation de l’écrit et système de communication dans l’Europe du XVIIe siècle »
ETUDES D'HISTOIRE DU LIVRE
- X. PRÉVOST, « Aux origines de l’impression des lois : les actes royaux incunables »
- C. GANTET, « Amitiés, topographies et réseaux savants. Les Strasburgische gelehrte Nachrichten (1782-1785) et la République des lettres »
- D. BARIC, « La dualité nationale et universitaire des bibliothèques de Strasbourg et Zagreb : une histoire parallèle entre empires, nations et régions »
LIVRES, TRAVAUX ET RENCONTRES


Responsable : Yann Sordet, rédacteur en chefRéférence bibliographique : Histoire et civilisation du livre (XII), Droz (Genève), 2016. EAN13 : 9782600047487
Url de référence :
http://www.droz.org/eur/fr/80-histoire-et-civilisation-du-livre-revue-internationaleAdresse : Bibliothèque Mazarine,23 quai de Conti,F-75006 Paris

domingo, 13 de novembro de 2016

Seminário Internacional: A Biblioteca também como um museu: do renascimento ao dias atuais

Refletir sobre espaços e funções da Biblioteca...

Eis o desafio a que se propõe esse importante encontro promovido pela Biblioteca Nazionale Centrale di Roma

Dentro il Museo (...) la vita non era per niente tranquilla. ‘Nella popolosa terra d’ Egitto’, scherzava un poeta satirico dell’ epoca, ‘sono allevati degli scarabocchiatori di libri che si beccano eternamente nella gabbia delle Muse’. Timone, il filosofo scettico a cui si devono queste parole, sapeva che in Alessandria – lui dice vagamente ‘ in Egitto’ – si trovava il favoloso Museo: lo chiama ‘gabbia delle Muse’ per via di quell’ apparenza di uccelli rari, distanti, preziosi, dei suoi abitanti. Di loro si dice che ‘ sono allevati’, riferendosi anche ai privilegi materiali concessi dal re: il diritto ai pasti gratuiti, il salario, l’isenzione dalle tasse. Luciano Canfora


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Lançamento - Livros e Subversão

Livros e Subversão no Brasil Contemporâneo

A força dos livros enquanto veículo de difusão de ideias é reconhecida e temida pelos regimes autoritários; é deste temor que nascem as atividades censórias contra livros.


Para os leitores que viveram intensamente nos meios políticos e culturais dos anos de 1970 e 1980, Livros e Subversão (Ateliê Editorial), volume organizado por Sandra Reimão, deverá certamente despertar grande interesse. 
São seis estudos que pautam movimentos vários que atingiram o mercado editorial brasileiro da época, desde as atividades de jornalistas de esquerda nas redações, passando pelos livros eróticos, até a ação local, realizada por verdadeiros Quixotes que acreditavam no potencial transformador das leituras. E para quem duvida que o livro era prova de subversão, particularmente sob o olhar atento e desconfiado da polícia, os documentos levantados por Ana Caroline Castro não deixam dúvidas sobre o medo dos livros. 
Também o artigo de Felipe Quirino se vale dos autos da polícia. “Zueno, Zoany, Zwenir”... uma referência às diferentes grafias de seu nome nos autos da polícia política, o autor revela aspectos curiosos do jornalista e escritor brasileiro. Zuenir figura em diversos documentos, hoje abertos para a consulta pública no Arquivo do Estado do Rio de Janeiro, como agente infiltrado do Partido Comunista na imprensa carioca. Em uma lista vemos seu nome figurar ao lado de Janio de Freitas, Darwin Brandão, Felix Athaide entre outras figuras que circularam e ainda circulam nas folhas nacionais.
Merece atenção especial o estudo de Flamarion Maués, “Do erótico ao político: a trajetória da Global Editora na década de 70”. A Global editou nos anos 70 títulos de Adelaide Carraro, Cassandra Rios e Plinio Marcos. O capítulo apresenta o perfil curioso dos fudadores da Global, Alves Júnior e Raimundo Nonato Rios. Eles atuaram antes no setor de distribuição e foram responsáveis pela abertura da Farmalivros. Isso mesmo, repetindo a proeza de Monteiro Lobato nos anos de 1920, eles também imaginaram uma grande rede de distribuição que atingisse os potenciais leitores em qualquer estabelecimento comercial. Quer dizer... em qualquer local, pois os livros eram até mesmo vendidos nos táxis! 
Uma homenagem justa aos Quixotes de livros de esquerda, sob a divisa "Quem muda o mundo são as pessoas", traz a tona duas microrealidades que dizem muito daquele Brasil amordaçado pela censura: direto de Niterói, Aníbal Bragança tem, enfim, sua história registrada do projeto heróico da edição de Lênin; por sua vez, em São Paulo, a Banca do Crusp, um foco de insurreição e resistência universitária da maior importância nos anos de 1960 e 1970, ganha um justo capítulo neste livro. 
É ler, para crer!

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Lançamento

FRACISCO ALVES, O REI DO LIVRO


A História da Francisco Alves Livraria e Editora começou em 1854, na rua dos Latoeiros, no. 48 (hoje rua Gonçalves Dias), no coração do Rio de Janeiro. Um negociante de origem portuguesa ali fundou a Livraria Clássica de Nicolau Alves. Dez anos mais tarde, chegaria à capital fluminense um sobrinho seu. O jovem Francisco Alves d’Oliveira instalou um sebo no centro da cidade e, ao cabo de alguns anos, tendo realizado bons negócios, retornou ao Porto. Em 1883 regressou ao Brasil e, ao que tudo indica, com a intenção de ficar. Tornou-se sócio do tio e se naturalizou.
Daí em diante, a estrela de Francisco Alves, desse português de bom coração e de gênio forte, como relatam seus memorialistas, não parou de brilhar. A partir 1897 ele já respondia por todo o ativo e passivo da empresa. Em 1894 ele inaugurou na rua da Quitanda, em São Paulo, uma filial de sua livraria. Foi um grande evento que contou com a presença de figuras de proa da política e da literatura nacional, além de muito champanhe e a cobertura inflamada da imprensa. Não era, na verdade, apenas uma livraria. Tratava-se, no fundo, de uma grande promessa, pois Francisco Alves vinha se associar ao projeto republicano de expansão das escolas e das bibliotecas em todo o Estado. A filial de Belo Horizonte, da novíssima capital de Minas Gerais, foi inaugurada em 1907. Estava lançada, nessa época, a primeira rede livreira do Brasil. A partir de 1910, fato inédito na história de livreiros e editores brasileiros do seu tempo, a empresa se expandiu para o mercado europeu, adquirindo participações em Portugal e na França.
Surge, portanto, em boa hora a edição dirigida por Aníbal Bragança, Francisco Alves, o Rei do Livro (Edusp). O livro sai justamente na semana do natalício de nosso homenageado, que nasceu em 2 de agosto de 1848, e apresenta um caleidoscópio de informações, reflexões e análises dessa grande figura. A lembrança ao rei do livro já seria bem justa se apenas rememorasse seus feitos, ou os livros que escreveu e editou. Mas a edição traz muito mais do que homenagens, sob a forma, por exemplo, do belo caderno de fotografias que ilustra sua história. A reunião dos estudos de pesquisadores brasileiros diz muito sobre a abrangência das edições da Francisco Alves no território nacional, na sua primeira fase republicana. O que não é pouco, considerando que se trata de um período de forte descentralização das questões do ensino e, por outro lado, da concentração de recursos no eixo Rio-Minas-São Paulo. Este volume levanta, além disso, algumas reflexões sobre os silêncios em torno desse livreiro-editor português, naturalizado brasileiro, que enfrentou as propagandas antilusitanas no último quartel do século XIX e que, ao falecer, em 1917, doou praticamente toda a sua notável e surpreendente fortuna para a Academia Brasileira de Letras.
A notícia, certamente, sensibilizou os brasileiros mais bem-nascidos. Monteiro Lobato, ele mesmo se mirou no exemplo de Francisco Alves, ao assumir que para ficar rico, era necessário editar livros escolares. Estava certo o autor do sítio! Porém, após mais de três décadas de justas homenagens ao “furacão da Botocúndia”, já era o tempo de se abrirem as cortinas ao rei do livro Francisco Alves.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Capistas Brasileiros - o caso Dorca

Vocês se lembram de Dorca?

Na vida dos livros quantas outras vidas não se cruzam?

Capa assinada por Dorca e gentilmente
enviada pelo grande pesquisador
Felipe Rissatto
A campanha "Quem foi Dorca?" iniciada há alguns por Ubiratan Machado e continuada por mim no programa Bibliomania e aqui, neste espaço, tem rendido muitas informações, sugestões, hipóteses... ou seja, muitas trocas de mensagens. 
E algumas boas aquisições nos sebos do Brasil de livros cujas capas ou ilustrações foram assinadas por Dorca.
Aventou-se a hipótese de que por trás da assinatura DORCA, escrita, assim, em letras de forma, maiúsculas houvesse uma empresa prestadora de serviços artísticos e publicitários. O que sem dúvida abriria toda uma investigação sobre a prestação de serviços artísticos, como o fez a Casa Eclética, nas décadas de 1920 a 1960, na cidade de São Paulo. 
Mas a mensagem mais surpreendente e emocionante que recebi - e, também, a mais esclarecedora, partiu de um herdeiro da prestigiosa Martins Livraria e Editora:
Prezada Marisa: 
Ouvinte de seu programa, quero me apresentar: José Fernando de Barros Martins. 
Estou com 79 anos e sou filho do editor José de Barros Martins, dono da Livraria Martins Editora. 
Em primeiro lugar é preciso esclarecer que estamos falando de uma mulher, de uma capista. Ela realizou trabalhos para a Editora Martins nos anos de 41, 42, 43 e 44 (salvo engano). Vi-a de relance (era um menino com cerca de 7 anos) e até hoje me lembro que a achei excessivamente formal. Afinal, ela ia à Editora, na rua São Francisco, 81, de chapéu. O que na época já me parecia um exagero.
Como na mudança da Martins, desse endereço para a rua Rocha, 274 – onde permaneceu até cessar suas atividades – houve o extravio de muito material, não posso dar mais informações a respeito dessa artista.
Ainda mais que, a partir de 1941, Clovis Graciano assume as funções de principal capista da Casa. Ele seria o autor de capas para quase  todos os livros, inclusive para as obras de Jorge Amado, Aluisio Azevedo e Graciliano Ramos.
Estou à disposição para outras informações. Especialmente no campo das ilustrações onde a Editora Martins já na década de 1940 tinha livros ilustrados por Di Calavalcanti, Tarsila, Maria Leontina Franco, Manoel Martins, Paim e outros nomes de nossas artes plásticas.Valho-me do ensejo para protestar-lhe minha sincera admiração.   
José Fernando Martins
Sr. José Fernando, muito obrigada pela mensagem! Ela me honra, imensamente.
Falando em Dorca, sabemos agora que era uma mulher. No mundo de artistas dominado por homens, eis que surgem alguns nomes femininos como a Tarsila, Maria Bonomi (que também ilustrou livros) e, agora, a Dorca.
Mas a pregunta continua no ar: quem teria sido esta senhora misteriosa, que usava chapéu, cujos modos marcaram para sempre a memória de um rapazinho de sete anos de idade?

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Ênio Silveira: inovação e revolução editorial

Lembrar Ênio Silveira (1925-1996)

O Editor na Galeria dos Presidentes do Sindicato Nacional dos Editores e Livreiros


O paulista Ênio Silveira iniciou sua trajetória no mundo dos livros pelas mãos de Monteiro Lobato. O primeiro encontro já diz muito sobre a personalidade desses dois quixotes da edição brasileira. A apresentação foi mediada por uma amiga em comum, a senhora Leonor Aguiar:

Quando cheguei - naquela época era possível fazer isso ainda - a porta não estava fechada à chave, estava entreaberta e havia um cartão zinho: "Ênio, ao chegar entre e feche a porta por dentro". E eu entrei e chamei por Leonor. Ela respondeu:
_ Estou aqui no banheiro, veha ao banheiro.
...
Bom, ao entrar comecei a ouvir ruídos estranhos; antes de chegar ao banheiro ouvi um barulho que parecia de água... Era o Monteiro Lobato que estava na banheira! Eu não sabia onde meter a cara. Aí, o Lobato olhou para mim, com aquelas sombrancelhas espessas que ele tinha, com um ar de profundo deleite, pois Leonor o esfregava vigorosamente com um esfregão e disse:
_ Ué, você nunca viu um homem nu, oh menino?
Capa de Eugênio Hirsch
Após o encontro, Ênio Silveira será encaminhado para a Companhia Editora Nacional. Torna-se, então, empregado de Octalles Marcondes Ferreira, de quem se tornará genro. Ênio segue para os Estados Unidos, vindo a estudar na Universidade de Columbia, onde estreita contato com autores de esquerda norte-americanos. No Brasil mantém relações com grandes intelectuais, do porte de Fernando de Azevedo.
Pulamos para o final da década de 1950, com o editor instalado no Rio de Janeiro e chefe absoluto da editora Civilização Brasileira, antes, apenas um selo da CEN.
A década foi promissora para o mercado editorial brasileiro e Ênio tira proveito dos bons ventos para lançar o que havia de mais fresco e provocador nas áreas de Literatura e Ciências Humanas.
Foi o editor de Vladimir Nabokov, no Brasil. A capa de Lolita, desenhada por Eugenio Hirsch causou verdadeiro impacto entre os leitores brasileiros. O próprio Nabokov viria a dizer que foi a melhor capa criada para seu livro em todo o mundo!
O Golpe Militar representou para Ênio uma viradeira do ponto de vista da ação e da responsabilidade política do editor. E isto se refletiu no seu catálogo, não sem um alto custo para ele. É o que conta em uma entrevista:
Eu publiquei muitas dessas obras – do Golpe no Brasil, dos erros do Golpe, do Carpeaux e de outros, e esses eles [a polícia] apreendiam logo. Mas com as obras de Lênin, eu pensava, seria diferente, ele era um líder político, uma figura histórica, e provavelmente passaria – eu tenho visto estas coisas. Eles não apreenderam Marx. Pensei, se não apreenderam Marx, não apreenderam Engels, que lancei também, vou lançar o Lênin, que é um brilhante pensador. Tenho muito respeito intelectual por Lênin, ele era um homem de ação política e um intelectual.
O Editor se enganou e teve todo o trabalho perdido...
Ênio Silveira também investiu em trabalhos destinados aos setores populares, como a coleção Cadernos do Povo Brasileiro, com projeto de capa também de Hirsch. Contando com o apoio intelectual de Álvaro Vieira Pinto e de Nelson Werneck Sodré, transformou-se em verdadeiro fenômeno de vendas, com tiragens de até 20 mil exemplares e reedições que atingiram a cifra recorde de 100 mil exemplares. Números ainda mais significativos se considerarmos o dinamismo do mercado editorial nos anos que precederam ao Golpe e a taxa de analfabetismo em 1960, que abrangia 37,9% de um total de 70.191.370 habitantes. A distribuição ficava a cargo do Centro Popular de Cultura (CPCs) da União Nacional de Estudantes, pelo menos entre o público mais distante dos centros urbanos, onde praticamente inexistiam pontos de venda de livros e de impressos em geral. Os títulos, como aponta Angelica Lovatto, não deixam dúvidas sobre o teor das leituras e o espírito mobilizador que se imprimia aos livros:
1. Francisco Julião (1962). Que são as Ligas Camponesas?
2. Nelson Werneck Sodré (1962). Quem é o povo no Brasil?
3. Osny Duarte Pereira (1962). Quem faz as leis no Brasil?
4. Álvaro Vieira Pinto (1962). Por que os ricos não fazem greve?
5. Wanderley Guilherme (1962). Quem dará o golpe no Brasil?
6. Theotônio Júnior (1962). Quais são os inimigos do povo?
7. Bolívar Costa (1962). Quem pode fazer a revolução no Brasil?
8. Nestor de Holanda (1963). Como seria o Brasil socialista?
9. Franklin de Oliveira (1963). Que é a revolução brasileira?
10. Paulo R. Schilling (1963). O que é reforma agrária?
11. Maria Augusta Tibiriçá Miranda (1963). Vamos nacionalizar a indústria farmacêutica?
12. Sylvio Monteiro (1963). Como atua o imperialismo ianque?
13. Jorge Miglioli (1963). Como são feitas as greves no Brasil?
14. Helga Hoffmann (1963). Como planejar nosso desenvolvimento?
15. Aloísio Guerra (1963). A Igreja está com o povo?
16. Aguinaldo Nepomuceno Marques (1963). De que morre o nosso povo?
17. Eduard Bailby (1963). Que é o imperialismo?
18. Sérgio Guerra Duarte (1963). Por que existem analfabetos no Brasil?
19. João Pinheiro (1963). Salário é causa de inflação?
20. Plínio de Abreu Ramos (1963). Como agem os grupos de pressão?
21. Vamireh Chacon (1963). Qual a política externa conveniente ao Brasil?
22. Virgínio Santa Rosa (1963) Que foi o tenentismo?
23. Osny Duarte Pereira (1964). Que é a Constituição?
24. Barbosa Lima Sobrinho (1963). Desde quando somos nacionalistas?
Títulos extras:
Franklin Oliveira (1962). Revolução e contra-revolução no Brasil
Vários autores (1962). Violão de rua – poemas para a liberdade. Volume I
Vários autores (1962). Violão de rua – poemas para a liberdade. Volume II
Vários autores (1963). Violão de rua – poemas para a liberdade. Volume III
A persistência de Ênio no campo da edição expôs seu nome e o da editora aos agentes de segurança do regime militar. Foram muitos os golpes intimidadores que atingiram a Civilização Brasileira e seu editor. Prisões, buscas, apreensões, cortes de crédito na praça, dificuldades de importação de papel, perda de clientes... até o atentado à bomba em 1968 contra a livraria, em plena rua Sete de Setembro, no Rio de Janeiro, às duas da manhã. Era o começo do fim. O projeto editorial soçobrou, embora o editor tenha se mantido até 1982, quando passou o selo para o grupo Difel.
Mas o lema da Civilização Brasileira deve persistir entre nós:
Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê.
Bibliografia consultada: Mélanie Mondl von Metzen, Arte e Poética nas Capas de Eugênio Hirsch, TCC, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2013; Andréa Lemos Xavier Galucio, Civilização Brasileira e Brasiliense: Trajetórias Editoriais, Empresários e Militância Política, Tese de Doutoramento, Rio de Janeiro, UFF, 2009; Ênio Silveira. Edição dirigida por Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: ComArte; Edusp, 2003, (Coleção Editando o Editor, 3); Maria Luiza Tucci Carneiro, Livros proibidos, ideias malditas. São Paulo, Ateliê Editorial, 2002; Laurence Hallewell, O livro no Brasil. São Paulo, Edusp, 2005; Angelica Lovatto, “Um projeto de revolução brasileira no pré-1964: os Cadernos do Povo Brasileiro”, In: Edição e Revolução. Brasil e França. Cotia: Ateliê Editorial; Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2014.