Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Da Argila às Nuvens, ou a Arte de Catalogar Livros

Para uma breve visita à exposição, entre no link https://vimeo.com/12383005
(Parte 1)
Buscar um livro na biblioteca nunca constituiu uma atividade simples. 
É preciso ter o nome do autor, senão, uma fração significativa do título e, claro, deve-se sempre contar com o auxílio de um excelente banco de dados. 
As informações são inseridas numa ferramenta de busca que as processa e, ao final de alguns segundos – ou minutos ! – uma lista aparece. Com sorte, autor e título estão ali, bem dispostos, à nossa frente. Noutras vezes, é preciso ter um pouco de paciência, focar bem o objetivo, rolar a barra, ver desfilar títulos e autores semelhantes, os quais se compõem com listas menos óbvias, até que o objetivo seja atingido. 
Porém, a tarefa não termina aí. 
Somos primeiramente apresentados a uma série alfanumérica, até o momento em que... puff, é só seguir as indicações das salas de consulta e o livro será logo alcançado. 
Às vezes o achado demora um pouco mais do que o esperado, afinal, quem poderá garantir, na ordem dispersa dos números, qual será o antecessor de um extenso c981.56748Ma? 
Na intrincada composição das estantes, há sempre um cruzamento, um corredor que quebra a ordem dos números, um ponto de charneira que nos torna mais uma vez oscilantes: devemos seguir em frente, retornar ao começo da fileira, ou partir para a prateleira de baixo? À vezes, o destino nos prega uma peça e na direção menos provável se esconde o exemplar desejado: nem retroceder, nem avançar... É necessário virar do outro lado da estante. Como não se render à ordem dos números?
A Classificação Decimal de Dewey (CDC), sistema inventado pelo norte-americano Melvil Dewey, em 1876, sofreu muitas resistências desde que surgiu. Afinal, como reduzir uma série multissecular e tão complexa de dados inscritos numa página de rosto, ou em outras páginas dos livros, a uma única equação? 
No início, a pergunta soava ainda mais estranha, pois não se tratava apenas de equacionar nomes de autores e títulos, mas de sintetizar todo um sistema de conhecimento outrora organizado em extensos fichários temáticos em séries numéricas racionalmente arranjadas nas fileiras das estantes. Nas bibliotecas de livre acesso o leitor ainda guardava a esperança de reter diante dos olhos uma fileira de livros mais ou menos coerente com o assunto buscado. Porém, nas coleções de acesso indireto, a ordem dos números fatalmente prevalecia sobre a ordem da leitura. E um livro ignorado correspondia fatalmente a uma referência perdida.
A relutância na adoção esbarrava ainda com uma longa tradição de listas, catálogos bibliográficos, sistemas de classificação e fichamento que viajaram no tempo e no espaço, acompanhando as diferentes idades do livro e seus desenvolvimentos. Entre classificar para preservar e classificar para dar a conhecer, quantos esforços, métodos e sistemas não teriam sido inventados?
Esta é a questão que percorre o belo catálogo De L’Argile au Nuage. Une archéologie des catalogues (IIe millénaire av. J.C. – XXI siècle), obra e exposição dirigidas por Frédéric Barbier, Thierry Dubois e Yann Sordet. Publicaremos nos próximos dias alguns exemplares de fichas e catálogos analisados pelos autores. A conferir.

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