Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O LIVRO, A FEIRA E A FESTA

Algumas notas sobre os circuitos de promoção do livro

Imagens USP, dezembro de 2013

A invenção da tipografia coloca um problema novo para os profissionais do livro: o da distribuição. Pensemos que no antigo sistema, o das cópias manuscritas, as universidades, os colégios, os centros religiosos e as instituições jurídico-administrativas funcionavam necessariamente como pontos de atração para os copistas e outros profissionais ligados à cadeia do livro. Este determinismo geográfico se rompe quando a possibilidade de se tirar um volume maior de exemplares a partir de um mesmo original se torna uma realidade, ou seja, quando se tem um desequilíbrio entre a demanda e a oferta. Nesse momento, os os tipógrafos são obrigados a buscar, alhures, novos mercados.
Donde o caráter itinerante dos profissionais do livro. Conta-se que Johann Fust, sócio-empresário de Gutenberg, não demorou a levar para a prestigiosa praça parisiense alguns exemplares da Bíblia e da Gramática de Donato. Todos produzidos em Mainz. O público olhou com desconfiança aquela profusão de títulos, impressos com perfeição e regularidade. Magia negra? Não, arte negra.
Dominar os mercados tradicionais e frequentar as feiras sazonais se tornaram, portanto, estratégias vitais para se vencer a lentidão dos espaços e os entraves do comércio. Frankfurt am Main já era conhecida por sua movimentada feira. Ali os tipógrafos passaram a disputar seu lugar na estreita Buchgasse, trazendo catálogos, livros, projetos, cartas de recomendação, tipos, papeis, tintas... noutros termos, era ali que se desenrolavam as grandes transações. No século XVII, Leipzig toma a primazia sobre aquela importante praça e, a partir de então, a economia do livro se consolida nas principais cidades europeias.
Acredita-se que o desenvolvimento do sistema de transportes e de comunicações a longa distância tenha enfraquecido o papel das feiras, isto desde a segunda metade do século XIX. Também a revolução industrial e a consequente massificação do impresso teve seu papel. Tornara-se, de fato, impraticável restringir o mercado de livro às negociações sazonais realizadas nas feiras.
Mas as feiras não morreram. Ao contrário, multiplicaram-se, transformaram-se, especializaram-se.
Atualmente, as feiras de livros se instalam em todas as partes do mundo, do ocidente ao oriente. Reproduzem padrões logísticos e arquitetônicos. Para além do capital transacionado nas feiras, sabemos que elas levantam bandeiras em prol do livro – impresso e digital. E, como efeito reverso de um mundo globalizado, elas valorizam as nacionalidades – dos Estados e de suas identidades. O que se faz pela promoção dos países homenageados e dos próprios stands subsidiados pelas câmaras do livro, pelas embaixadas ou ministérios.
As feiras se tornaram uma festa. Das grandes às pequenas, como aquela que a Editora da Universidade de São Paulo promove nos últimos quinze anos na USP, a festa põe à prova o poder material e o poder simbólico do livro. Como componente das massas, torna-se popular, mesmo quando os espaços que a acolhem não o são. O que nos faz refletir sobre o caráter subversivo das festas... mas este já é outro assunto.
Artigo publicado originalmente na revista Brasileiros, edição de Janeiro de 2014