Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

sábado, 4 de dezembro de 2021

Lançamento da Revista LIVRO 9|10 - 18 de dezembro, a partir das 11h, na Livraria Martins Fontes

 Editorial

Livros, livros, livros, revestem o plano horizontal, multiplicam-se no espaço e tomam o hexaedro, não como revestimento, mas como estrutura, carnes e ossos.
Antonio Hélio Cabral
Ler é beber e comer. O espírito que não lê emagrece como o corpo que não come.
Victor Hugo


E por falar em leitura..., seção inaugural de livro n. 9|10, reúne narrativas múltiplas, livres – porque, como observa Marcelino Freire, livro bom não prende, liberta – sobre o ato de ler. Resposta à banalização da cultura e ao desmonte das políticas públicas em prol do livro e da leitura a que temos assistido nestes últimos anos? Certamente. No entanto, os autores reunidos nesta seção elevaram o debate a um outro patamar, demonstrando, por meio do gesto das palavras, que é preciso combater a brutalidade com a doçura, a ignorância com a poesia e a vileza com a temperança. Afinal, os tempos são tenebrosos e demandam muita sabedoria.

É preciso, portanto, celebrar a sabedoria dos livros que se materializam nos desvãos da memória, cujos sons produzem ecos na imaginação, como sugere Hélio Cabral; os livros difíceis, que se concretizam a duras penas, em ambientes de cultura rarefeita, segundo as lembranças pungentes de Luiz Ruffato e de Miguel Sanches Neto; os livros que desbravam o sertão – ou seria bem o contrário? – na narrativa épica de Walnice Nogueira Galvão. Enfim, relatos sobre as leituras de formação que se completam e se enriquecem com as palavras generosas de Carlos Nejar, para quem a leitura “é uma enorme bondade”. Ou com o gesto aguerrido, mas nem por isso amoroso de Ligia Chiappini, ao recompor o ato da leitura na arena política e social. Essas questões se completam com os artigos/depoimentos de Ana Mae Barbosa, Edmir Perrotti e Ottaviano De Fiore di Cropani (1931-2016), leitores do mundo e da arte, que reuniram nas páginas de livro, além de suas visões sobre a leitura, suas experiências em projetos públicos. E se o livro pode também ser uma arma – que faz tremer os governos autoritários –, a leitura é alimento para o corpo que se fortalece e para o espírito que se sacia. “Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?”, perguntavam os Titãs na arena pública, nos já distantes anos 1990.

LIVRO celebra seus dez anos de existência com um novo número duplo. A seção Leituras reúne contribuições acadêmicas sobre temas diversos, embora reveladores de uma tendência muito forte, a saber, a percepção do livro, de suas instituições e de seus principais agentes como partícipes de uma ampla rede de relações, de trocas e de transferências. Jamais as abordagens monográficas foram tão favorecidas pelas imagens captadas por grandes angulares, o que nos permite observar eventos e fenômenos particulares, sem perder a percepção da totalidade, dos grandes quadros, das chamadas visões de conjunto.

É o que vemos no artigo de Maria Antonietta Orlandi sobre os primeiros livros impressos na Itália, no Mosteiro de Santa Escolástica, em Subiaco, nos arredores de Roma, para onde rumaram dois tipógrafos alemães, com a finalidade de anunciar a boa nova – a invenção da tipografia – e de angariar novos clientes, nos anos de 1464-1465. Ainda no âmbito europeu, a emergência das bibliotecas científicas no reino da Hungria se revela como um fenômeno típico das transferências culturais, o que se verifica na constituição do acervo, mas, sobretudo, nos contatos dos republicanos das letras, segundo István Monok. O mesmo se dá no comércio de raridades, entre bibliotecas de particulares e as coleções nobres ou reais, na Época Moderna, para a qual se constitui um circuito próprio, que regulamenta as práticas e o valor dos livros, de acordo com Le Guillou. A pesquisa de Hernán Pas sobre a produção, difusão e recepção do livro Os Mistérios de Paris, de Eugène Sue, permite-nos conhecer os processos de transferências e apropriações de um romance em geografias, línguas e suportes diversos. Poder-se-ia dizer que o único estudo voltado eminentemente a um espaço nacional é o proposto por Marie-Claire Boscq, mas quem contestaria o fato de a censura implantada no sistema de organização dos trabalhadores do livro, na França, ter influenciado outras nações ou, pelo menos, sustentado o debate sobre a regulamentação do mercado um pouco por todas as partes, tocadas pelas francesias? Provam-no os artigos de Fernando Paixão e Ubiratan Machado, cuja ideia de uma formação literária, ou mesmo a presença de sociabilidades literárias, não pode ser pensada sem a presença europeia, senão, francesa no mercado de bens culturais carioca.

Dossiê – Editores e Edições se volta para uma temática tradicional, na perspectiva de captar novos problemas e novas abordagens que a história editorial tem levantado na última década. Para tanto, privilegiamos pesquisas de natureza histórica e sociológica centradas nas sociedades ibero-americanas. Tal seleção resultou em um panorama muito oportuno sobre o papel do editor como mediador político, como vemos nos estudos desenvolvidos por Adriana Petra e Ezequiel Saferstein, sobre a Argentina; quadro que se completa com o levantamento da fortuna editorial brasileira do clássico de John Reed, Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, por Dainis Karepovs. A editora Hachette será objeto de duas reflexões muito distintas, o que testemunha a riqueza de seu catálogo: Federico Ferretti se volta para as edições de Reclus, no limiar do século xx, interrogando sobre a relação entre política (e militância) e o capitalismo editorial, lembrando que o editor em tela se apresenta como um dos grandes de seu tempo; Gustavo Sorá, por sua vez, dedica-se à presença da editora Hachette na Argentina, entre as décadas de 1930 e 1950, pesquisa que certamente permitirá um diálogo estreito e profícuo entre os investigadores latino-americanos dedicados aos estudos sobre as relações culturais e econômicas com a França, sobretudo porque, nesse momento, a questão das nacionalidades e da formação de um mercado editorial nacional é muito forte, diferente do que observamos no século XIX, quando de uma primeira expansão das editoras francesas em nosso continente. Lembremos que o aparecimento da Livraria Francesa de São Paulo e da editora Difel, fundadas por Paul-Jean Monteil, na década de 1950, como demonstra Fabiana Marchetti em seu artigo, ocorre no contexto de maior ebulição cultural e editorial do país, com a presença maciça de intelectuais e de instituições brasileiras. O último bloco do Dossiê se destina aos editores e aos contatos editoriais entre Portugal e Brasil, por meio dos estudos desenvolvidos por Nuno Medeiros, Bruno Henrique Coelho e Emanuel Cameira.

A seção Memória recupera os eventos europeus, organizados em 2017 e 2018, destinados a celebrar os quinhentos anos da Reforma Protestante; e, em 2019, os quinhentos anos de nascimento do impressor e editor Christophe Plantin. O caricaturista Alvarus é o grande personagem da vez, cujas memórias são evocadas por Ubiratan Machado e documentadas por João Antônio Buhrer. Gustavo Piqueira revisita a garçonnière mais famosa e frequentada pelos modernistas de São Paulo. E o faz em homenagem dupla: a Oswald de Andrade, que deu vida ao Perfeito Cozinheiro das Almas e a Frederico Nasser, este bibliófilo que o imortalizou.

As seções Bibliomania e Estante expõem apenas uma parte dos livros sobre livros publicados nestes últimos anos, em edições nacionais e estrangeiras. É importante assinalar este aspecto, pois, desde o lançamento do primeiro número de livro, em 2011, temos salientado o aumento de publicações sobre livros, tanto obras de ficção quanto de não ficção.

Letra e Arte propõe literatura fina e humor refinado, sob a curadoria de José De Paula Ramos Jr. É ler para crer!

Enquanto correm os intimoratos em carreatas insanas, “sem razão ou compreensão do momento grave”, como denuncia o autor do poema “O Poder e a Paz”, a LIVRO encerra com este volume alentado dez anos de muito trabalho, dedicação, agitação e propaganda em prol do livro. Celebrar dez números não é tarefa simples, sobretudo nos tempos em que as revistas acadêmicas agitam suas palavras nas telas dos computadores, dos celulares ou dos leitores eletrônicos, sustentadas por tabelas de números e cifras que guardam pouca relação com seus autores e leitores de carne e osso. Sustentar por uma década uma revista impressa, movida pela paixão do ofício do editor e pela crença no livro como alimento da alma, é tarefa para os sonhadores.

E como para os sonhadores nem o céu é o limite, livro rende homenagem, desde o primeiro número, às artes visuais. Hélio Cabral, Kaio Romero, Ciro Yoshiyasse, Marcelo Cipis, Patrícia Osses, Luiz Fernando Machado, Maria Bonomi, Gustavo Piqueira, compõem esta plêiade de artistas que iluminou nossas publicações, demonstrando que um códice impresso se destina a ativar todos os sentidos. LIVRO n. 9|10 tem a honra de expor a arte de Flávia Ribeiro. Ao extrair da matéria bruta do códice os elementos que o enobrecem e o iluminam, a artista nos faz reviver o milagre da dobra e da arte inscrita nos volumes pretéritos, o que nos conduz a refletir sobre o futuro do livro, desse códice tão perfeito que teima em se dobrar e se desdobrar diante de nossos olhos.

Os Editores agradecem, comovidos, às centenas de autores e aos milhares de leitores que sonharam esse sonho e que viveram, em suas páginas, esse sonho. Evoé novas leituras. Evoé jovens artistas. Com estas palavras, a revista LIVRO guarda o compromisso de existir como uma galeria aberta e acessível, devotada a todas as formas de expressão que cabem em um livro.

Marisa Midori Deaecto & Plinio Martins Filho
EDITORES

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Aula Inaugural no Cefet-MG: Do Manuscrito ao Livro, do Autor ao Leitor (27/10/2021)

 


Paris, Londres, Bruxelas, Liège, Haia, Maestricht, Nova York, Cidade
do México, Rio de Janeiro... 48 edições impressas logo após o
lançamento simultâneo em Londres e Paris, em 10 de janeiro de 1849, sem contar as
reimpressões e reedições. Como explicar um tal sucesso? 
Para celebrar a abertura de mais um semestre letivo, Marisa Midori Deaecto nos convida a uma viagem pela Europa, nos tempos da Primavera dos Povos. 
Ali, ela busca desvelar os bastidores da construção de um livro destinado a corroer as bases das lutas democráticas e impor a vitória do pensamento conservador sobre as paixões revolucionárias. Ao recompor a fortuna editorial de De la Démocratie en France, de François Guizot, a autora nos permite conhecer em profundidade não apenas as questões editoriais que se colocam nesses tempos de batalhas panfletárias, mas também a figura de um grande historiador, jurista e político, que marcou a primeira geração de estudiosos da Revolução Francesa, propôs as linhas mestras do direito constitucional e se tornou o todo poderoso ministro de Luís Filipe, o rei burguês destronado pelo povo na tonitruante Paris de Fevereiro de 1848. 

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Livros, Leituras, Bibliotecas: (re)relendo a arquitetura moderna brasileira (23/09/2021)



“Este é um livro sobre a paixão pelos livros”, declara Ricardo Rocha, logo no capítulo introdutório de seu Livros, Leituras e Bibliotecas – História da Arquitetura e da Construção Luso-Brasileira, publicado recentemente pela Edusp. 

Uma paixão que se expressa não apenas no apuro formal com que o autor conduz suas análises, mas também na descrição meticulosa dos livros e das marcas de leitura neles inscritos. 

Para aqueles que teimam em ver o livro como um mero suporte de leitura, de modo que as plataformas não lhe ficam a dever em nenhum aspecto – aliás, os velhos códices não raro excedem no peso e se apresentam em formatos pouco cômodos para a leitura  convém registrar uma advertência do autor, ao evocar uma edição de Fundamentos da Arquitetura Japonesa, de Bruno Taut: “nenhum [exemplar digital] ... conseguirá reproduzir as características do papel torinoko da capa, do tipo fusuma – com um padrão típico do norte do Japão – [...] ou do papel shigaramido texto – do Japão central” (p. 20). Embora esta não seja a questão principal do livro, impossível não se deixar seduzir por estas palavras iniciais, as quais nos permitem adentrar, pelo menos no que toca à defesa do livro impresso e à importância do objeto de análise do autor, a saber, as bibliotecas de arquitetos e as marcas de leituras inscritas em seus livros, na comunidade de sentidos de que trata a pesquisa. 

A trama é bastante complexa e nos faz lembrar que o estudo de Ricardo Rocha guarda um diálogo muito estreito com outras pesquisas brasileiras, voltadas para a reconstrução de bibliotecas desaparecidas, por meio do escrutínio de inventários post mortem. Se as marcas nos livros nos permitem recompor diferentes camadas de leituras, a ideia das bibliotecas como um universo de referências cruzadas, ou “palácios de destinos cruzados”, para citar o título do livro de Tania Bessone, tem muito a dizer sobre as comunidades de sentidos tecidas por nosso autor. Interessa observar que as marcas de proveniência de um exemplar permitem ao estudioso adentrar em bibliotecas dispersas em tempos e espaços distintos. 

É o que vemos no segundo capítulo, no momento em que o estudo de um certo exemplar de Guia do Engenheiro nas Construções das Pontes de Pedra (1844), aliás, adquirido pelo autor, em leilão, da biblioteca do engenheiro Zake Tacla, falecido em 2009, permite-lhe recuperar marcas de leituras que remontam há 150 anos desde o primeiro proprietário identificado no volume. A biblioteca de Takla, autor de O Livro da Arte de Construir, será analisada com mais vagar no capítulo 5, dedicado às bibliotecas dos engenheiros-arquitetos, de cujas coleções foram selecionados os livros e desvendadas as suas marcas de leituras. 

Sem dúvida, um estudo minucioso, bem escrito, que permite aos amantes do livro e da arquitetura, mas também aos curiosos de toda sorte, uma imersão singular nessa comunidade seletíssima de escritores, colecionadores e leitores arquitetos. 

Sobre o autor:

Ricardo Rocha é Arquiteto (1996), Mestre (2001) e Doutor em Arquitetura (2006), com Pós-doutorado na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), Portugal (2008). É professor na UFSM desde 1998, no mestrado em Arquitetura e no mestrado em Patrimônio (Sta Maria) e na graduação (Cachoeira do Sul), sendo líder do grupo de pesquisa CrUPP Crescimento Urbano, Paisagem e Patrimônio (CNPq). É autor do livro História da Construção e da Arquitetura Luso-Brasileira: Leituras, livros e bibliotecas (EDUSP 2020).

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Cinemateca – Sem Trabalhadores Não se Preservam Acervos


https://apd.org.br/manifesto-pela-cinemateca-brasileira/

Em apoio à Cinemateca Brasileira, aos seus trabalhadores, mas também à memória e à história do cinema e da cultura brasileira, reproduzimos o documento lido no ato de 7 de Agosto de 2021. 
Que estes tempos sombrios passem rápido; rápido o suficiente para salvar o que resta da cultura e da educação de nosso país. 

Por TRABALHADORES DA CINEMATECA BRASILEIRA

Carta lida no Ato do dia 07 de Agosto de 2021

Esse é o mote dos trabalhadores da Cinemateca desde junho de 2020. Muitos foram os avisos feitos por nós sobre a necessidade da manutenção do corpo de funcionários da instituição, alguns com anos de casa. Esse mote se espalhou na defesa pela Cinemateca, passando a envolver os trabalhadores em um todo único, indissociável. A nossa pauta “pelos salários, pelos empregos e pelo acervo”, infelizmente, mostrou sua verdade de maneira cinematográfica com o incêndio do dia 29 de julho nas instalações da Vila Leopoldina. Esse incêndio foi criminoso e o governo federal é inteiramente responsável por ele, pelo abandono e pelo descaso com o patrimônio em um projeto de destruição da memória brasileira.
No dia 30 de julho de 2021, dia seguinte ao incêndio e quase um ano de promessas, o governo federal finalmente publicou um chamamento público para uma nova organização social (OS) gestora da Cinemateca Brasileira.
Não podemos nos deixar enganar por um edital que impõe uma lógica comercial à Cinemateca. Isso já foi tentado sem sucesso pela antiga gestora, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – Acerp. O que vimos com isso foi um ensaio de uma lógica privatista à instituição, lógica que o Governo Federal pretende ampliar.Também vimos a terceirização da equipe técnica, prática recorrente nos serviços públicos, que precariza o trabalho e, assim, o cumprimento de sua função social pública. Salários rebaixados, instabilidade, não pagamento de vencimentos e orçamentos sempre aquém das necessidades são exemplos dessa lógica comercial. O edital de 2021 estabelece um repasse de 10 milhões, quando em 2019 o orçamento era em torno de 13 milhões.
Os editais de gestão por OS têm prazos determinados. Com a Acerp foram três anos – interrompidos unilateralmente – e o novo edital propõe cinco anos. Isso é incompatível com a preservação do patrimônio. A preservação é um trabalho de longo prazo, que requer constância nos procedimentos e nos trabalhos, como o monitoramento diário dos acervos e a revisão dos materiais. Por sua vez, isso exige a estabilidade do corpo funcional. A preservação só será minimamente efetiva  em uma estrutura estatal, amparada por uma política de Estado não de governos.
Entendendo as limitações da conjuntura atual, a elaboração de qualquer chamamento público deve levar em conta os trabalhadores e as necessidades da instituição antes de se propor um orçamento.
Se entendemos que sem trabalhadores não se preservam acervos, devemos evitar uma abertura apenas formal. E, para isso, é necessário:

1) pagar os vencimentos atrasados dos trabalhadores demitidos em 2020;

2) recontratar a equipe que estava na instituição até 2020;

3) ampliar esse corpo funcional, fazendo a ocupação integral dos postos de trabalho que o acervo da Cinemateca exige;

4) ter um orçamento a altura do patrimônio que a Cinemateca abriga.

Sem a efetivação desses pontos, a abertura será superficial correndo o risco de repetir os mesmos terríveis acontecimentos de dias e anos recentes.
Como disse Paulo Emílio Sales Gomes, num trecho do filme Tem Coca-Cola no Vatapá, “Pássaro fabuloso que já renasceu das cinzas, a cinemateca vai ressuscitar de todo esse lixo, de toda essa poeira, pois o seu destino se tornou inseparável do cinema brasileiro”
Sem trabalhadores não se preservam acervos!

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Lançamento Editorial - O Manuscrito Fundador do Gabinete Português de Leitura (1863-1875)



No dia 28 de junho às 19h, o Memória e Arte vai apresentar sua mais nova publicação: a história do Gabinete Português de Leitura da Bahia contada através da recuperação e transcrição do livro ata fundador da instituição. É uma co-edição Brasil / Portugal, representada pelo nosso selo, Memória e Arte, e a Ponte Editora, da Ilha da Madeira.
Anotem aí e não percam. Será através de nosso canal no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=3xitU5LNNo8
Esperamos vocês para um bate-papo, Vanilda Mazzoni (Memória & Arte), Fabiano Cataldo (UFBA), Alícia Duhá Lose (UFBA) e Isabel Lousada (Universidade de Lisboa).
O livro está disponível para download gratuito em: 

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Palestra: O Livro e a Lei do Preço Fixo: o que é bom para a França, é bom para o Brasil?

 A Palestra "O Livro e a Lei do Preço Fixo: o que é bom para a França, é bom para o Brasil" se insere em uma programação mais ampla, destinada a Pensar a Edição, Fazer Livro, que se encontra em sua 5a. edição. 

Apresento, a seguir, a mensagem de boas vindas dos organizadores do evento. 

Encontro vocês lá!

Pensar Edição, Fazer Livro 5,

 

Estamos alegres com a proximidade do evento, que começa na sexta-feira, dia 18, e termina sábado, 19. 

Na sexta, teremos a oficina de autopublicação, com Ana C e Alex, em parceria com o portal Fazia Poesia. As vagas foram preenchidas rapidamente. Desejamos sucesso!

 

Em seguida, teremos o lançamento dos livros "Além da Gramática" e "Edição, livros e leitura no cinema". As organizadoras, Márcia Romano e Letícia Santana, mediadas pela profa. Rosário, conversarão conosco sobre as obras, que poderão ser adquiridas diretamente dos sites das editoras.

 

Abrindo nosso evento teremos a palestra da profa. Marisa Midori, da USP, que tratará de um tema sempre relevante, a lei do preço fixo para o livro no Brasil. Fundamental nestes tempos (e em todos). 

 

Sábado começaremos com a mesa sobre quadrinhos, mediada pela Isa e com três mulheres maravilhosas das HQs no Brasil: Sâmela, Giovanna e Germana. 

À tarde, teremos a mesa sobre trânsitos editorias entre países de língua portuguesa, com Tito CoutoAmosse e Ana Cecília (mediados por mim), seguida da mesa sobre ostrânsitos latino-americanos, mediada pelo Nathan, com VictorEdgar e Magdalena

 

Em seguida, lançaremos nosso livro "Prezada editora, - mulheres no mercado editorial brasileiro", na coleção Pensar Edição. Todas as sete autoras estarão neste papo (Ana Elisa,Renata, Rosário, AngelaGabriela, Letícia e Luanna).

 

Para maiores informações:

https://pensaredicao.com.br


 

terça-feira, 25 de maio de 2021

Revista da BNU de Strasbourg nos convida para uma viagem ao Oriente

"Enquanto que uma atualidade recente nos faz lembrar o que é, sem dúvida, a sua faceta mais deplorável (o islamismo radical e violentamente proselitista), não parece necessário recuar muito no tempo para encontrar traços certamente passionais, e não raro apaziguadores nas relações entre o Oriente e o Ocidente, os quais alimentam um imaginário forte e uma percepção que se renova sem cessar deste "outro", às vezes, distante, mas ao mesmo tempo muito próximo. De tudo o que se disse, a Revue de la BNU aborda assuntos variados, mas sempre em ligação com este Oriente que na Idade Média restava, e ainda hoje resta, a descobrir. Neste número, aborda-se igualmente a questão da influência otomana sobre a literatura muçulmana, da medicina medieval, passando pela alimentação ou, ainda, pelas narrativas de pelegrinos que seguiam rumo à Terra Santa e se abriam, nesse momento, à cultura oriental". 



Sumário do Dossier

- Da herança "árabe" ao desafio "turco": o Oriente na edição alsacienne nos séculos 15 e 16, Nourane Ben Azzouna
- Sabores e benefícios do Oriente a partir do olhar de um humanista renano, Jérôme Bock, Georges Bischoff
- As viagens de Kalila wa Dimma: traduções ocidentais e primeira impressão de Strasbourg, Annie Vernay-Nouri
- A Hungria real, fonte de informações sobre os muçulmanos na Alsácia nos século 15 e 16, István Monok
- Um tratado singular de medicina árabe medieval: identificação de um manuscrito, Véronique Pitchon e Elhoussaine Oussiali
- Uma fonte original de conhecimento sobre o Oriente na abadia de Murbach: a narrativa do peregrino em Jerusalém de Guillaume de Boldensele, Damien Coulon
- A sombra da ciência árabe: nas margens da biblioteca de Copérnico, Édouard Mehl

A RBNU traz outras seções do maior interesse, as quais colocam em relevo não apenas o rico acervo da instituição, além de questões que envolvem a não menos rica região da Alsácia, mas também aspectos múltiplos da cultura europeia. 
Para saber mais, acesse o site: https://www.bnu.fr/fr/nos-actualites/la-revue-de-la-bnu-ndeg22-est-disponible
Ver também https://journals.openedition.org/rbnu/


quinta-feira, 15 de abril de 2021

Um Encontro para Celebrar as Livrarias da América Latina - Colóquio Virtual, Aberto para Todos

 O Instituto Caro y Cuervo de Bogotá (Colômbia) reúne, a partir de quarta-feira, 21 de abril, pesquisadores para celebrar, resgatar e propor novas perspectivas para os estudos das livrarias. 

Se, no íncio do século XXI, houve um aumento substancioso de pesquisadores dedicados a refletir sobre o livro e as práticas e representações de leitura, as histórias sobre as bibliotecas e as livrarias eram mais raras. Passados vinte anos, as histórias das bibliotecas e das livrarias vêm sendo frequentemente revisitadas, tanto na Europa, quanto nas Américas - mas também em vários países do Oriente, cujas livrarias e bibliotecas têm despertado a atenção de todo o mundo. Tal fato, talvez, se explique pelas próprias mutações que as tecnologias de informação e comunicação provocaram, não apenas nos suportes de leitura, mas também nos espaços de leitura e dos livros. 

Mas há um outro aspecto que amplifica a importância desse encontro.

A terceira revolução do livro vem de par com transformações profundas nos sistemas de comunicações e transportes. Hoje em dia a palavra logística se apresenta como um verdadeiro "Abra-te Sésamo", tanto para os editores, quanto para os livreiros e, também, para os leitores. Diante do avanço do e-commerce cabe perguntar: qual o lugar das livrarias? Mais do que isso, assumindo que sua importância, como ensina a  história, supera a função comercial, como salvar as livrarias nesse novo cenário econômico?

Para além das múltiplas questões que o Colóquio pretende trazer à luz, a celebração e a reunião de pesquisadores latino-americanos se apresentam, hoje, como um grande incentivo para a retomada de velhos diálogos e a abertura para novos encontros.

Espero encontrá-los em Bogotá (virtualmente) semana que vem!

Para acessar o programa completo e se inscrever nas sessções, acesse o link: https://www.caroycuervo.gov.co/Noticias/coloquio-internacional-el-comercio-de-libreria-en-america-latina/.

E clique sobre a palavra: Inscripciones.

Atenção para o fuso hórario! (+ 2h hora de Brasília)

* O Colóquio se incia quarta-feira, às 8h15 (10h15 - hora de Brasília)





 


terça-feira, 13 de abril de 2021

Aula Inaugural com Plinio Martins Filho 15/04/2021

Plinio Martins Filho, 50 anos entre livros

Em fevereiro de 2021, Plinio Martins Filho celebrou 50 anos de profissão como editor. Meio século entre livros. Meio século de expertise e dedicação em editoras que desempenharam importantes papeis na produção do conhecimento e da cultura no Brasil: Perspectiva; Edusp e Ateliê Editorial.
Em homenagem ao nosso mestre e colega, o curso de Editoração tem a honra de iniciar seu ano letivo com a Aula Inaugural do "Editor Perfeito". O epítome nasceu de uma homenagem do grande escritor e crítico literário Prof. Alfredo Bosi (1936-2021).

Em 2016, quando Plinio Martins Filho finalizava seu Manual de Editoração e Estilo, obra clássica que lhe valeu o prêmio Jabuti (1o Lugar - Comunicação), tive a honra  de redigir o prefácio ao livro. 

Reproduzo abaixo o texto que abre o volume do Manual à guisa de homenagem.


* * *


Plinio Martins Filho, o Editor Perfeito 

 

Um livro perfeitamente acabado contém uma boa doutrina, apresentada adequadamente pelo impressor e pelo revisor. É isso o que considero a alma do livro. Uma bela impressão sobre a prensa, limpa e cuidada, é o que faz com que eu possa compará-lo a um corpo gracioso e elegante. 

 

Alonso Victor de Paredes, Institución y Origen del Arte de la Imprenta, c. 1680

 

    A prática da edição é tão antiga quanto os primeiros volumes, ou livros em rolo. Timão (320 a.C.-230 a. C.), o filósofo cético, referia-se à Biblioteca de Alexandria como a “gaiola das musas”, onde uns “garatujadores” se punham a ler, copiar e comentar textos antigos. Conta o poeta de Fliunte que Zenódoto de Éfeso (333 a.C.-260 a.C.), o primeiro bibliotecário daquela instituição monumental, fundada na “populosa terra do Egito”, procedia a interpretações e intervenções de qualidade duvidosa ao copiar os textos da Ilíada e da Odisseia, o que colocava suas edições sob suspeita.
    Nos tempos de Cícero (106 a.C.-43 a.C.) o ato de editar um texto adquire sentido mais amplo. São conhecidas as cartas que o grande orador, escritor e bibliófilo romano endereçou a Ático (109 a. C.- 32 a. C), o amigo abastado, de uma cultura helenista refinada, que não poupava recursos materiais e escravos – gregos, em sua maioria – para a edição e publicação de bons escritos. Ou seja, a arte da edição não se restringia mais ao estabelecimento de cópias dos registros antigos para a sua preservação nas bibliotecas. Tratava-se, agora, de tornar público um texto. Tal perspectiva explica o conteúdo semântico original do latim editoreditoris, ou seja, o que gera, o que produz, ou aquele que causa; e, por extensão, o autor, consoante o verbo edere, de parir, publicar, expor, produzir, segundo explicação de Emanuel Araújo. Há, na verdade, duas ações em jogo: enquanto edereequivale a lançar um produto literário sem procurar difundi-lo amplamente, publicare descreve o processo pelo qual o texto se torna público, ou seja, quando ele escapa ao poder do autor. Nos dois casos a função editorial é imprescindível, tanto no aspecto da crítica ao texto, tanto no que toca à cópia e à reprodução do original.
    A revolução de Gutenberg intensificou ainda mais a oposição entre a escrita (= original) e o texto (= impresso), na medida em que a possibilidade de reprodução mecânica do livro exigiu novos níveis de profissionalização e de padronização. A publicação de textos eruditos se torna, então, uma atividade colegiada, com ampla participação de especialistas em diferentes fases de construção do livro, desde a seleção do manuscrito, donde a importância da filologia no alvorecer da Época Moderna, passando por decisões de ordem estética, ou seja, a escolha de tipos, a definição da quadratura da página e do formato do volume, até as intervenções de natureza editorial, ou seja, a inserção de paratextos, a hierarquização das informações e, claro, a revisão do exemplar impresso. Como escreve Alonso Victor de Paredes em sua preciosa Institución y Origen del Arte de la Imprenta
, esse ancestral raro do Manual de Estilo e Editoração que Plinio Martins Filho prepara para editores, revisores e leitores brasileiros. 


A Perfeição está no Equilíbrio entre a Beleza e o Conteúdo

    Nesse sentido, parece correto afirmar que os editores são os verdadeiros guardiões de uma longa linhagem de leitores benfazejos que zelam pela preservação e publicação dos textos. Pode-se mesmo dizer que o editor sobreviveu a todas as revoluções que incidiram sobre a cultura escrita: a passagem do roloao códice, no primeiro século da era cristã; a invenção da imprensa, em meados do século XV; e a emergência do texto digital, a qual permite, nos dias atuais, a leitura em diferentes suportes ou plataformas. 
    É claro que essa revolução afetou ou multiplicou as modalidades de leituras. Há o leitor concentrado, o leitor interativo, o leitor crítico, o leitor intensivo, o leitor solidário, o leitor malcomportado... e, coisa do novo milênio, há também o leitor eletrônico. O e-readerdos anglo-saxões ou a liseuse, batizada, assim, à moda francesa, com o gênero feminino bem demarcado. Mas existe um tipo de leitor que fica escondido atrás do livro e que vê tudo o que os outros leitores não podem ver. É um leitor exigente, do tipo tinhoso, que não dorme no ponto, não salta as linhas – quiçá, as páginas! – e que deixa a casa sempre em ordem para o desfrute dos outros leitores. Esse leitor benfazejo é o editor.
    Pois se houve ou ainda há alguma dúvida quanto à sobrevivência do códice diante de uma revolução midiática em curso, não parece ter ocorrido a ninguém questionar o papel central que desempenha o editor no processo de construção do texto. No limite, é possível pensar que as novas tecnologias concorram para uma maior articulação entre as funções do autor e do editor, o que tornaria os escritores, como já ocorreu noutras épocas, editores de seus próprios escritos. Isso porque entre a escrita e o texto há muitos (des)caminhosa percorrer.
    Escritores tecem como aranhas as palavras, enquanto os editores redesenham, fio a fio, o tecido de símbolos a que chamamos texto. É trabalho de artesão, dos mais refinados. Plinio Martins Filho é desses editores que dominam o ofício, a arte da construção do livro, com suas regras não raro estritas de equilíbrio entre a forma e o conteúdo. Para tanto, ele sabe que é preciso conhecer intimamente o objeto, seus aspectos formais e as hierarquias que ordenam os conteúdos, os quais, ao final de tudo, vão compor o livro. Noutros termos, a passagem do original em texto impresso. Mas nada disso teria sentido se não o houvesse o cuidado com a forma. Investe-se, então, nas tramas menores: nos detalhes tipográficos, na conformação das letras e no uso dos sinais diacríticos. Nada escapa ao editor. Tecer é normalizar, domar a escrita, forçar uma coerência entre as partes e o todo, e estabelecer o diálogo entre a ideia e o símbolo. Como sói dizer: editar é ordenar o caos.


Escrever na Areia

    A imagem do editor perfeito nasceu da convivência estreita de Plinio Martins Filho com seus autores. Na verdade, quem a cunhou não foi seu autor direto, mas desses autores que orbitam no círculo universitário. Alfredo Bosi o escreveu, a título de dedicatória em um livro seu, publicado pela Editora 34. A escrita criou a imagem e foi condensando no imaginário das gentes essa figura rara, dedicada ao livro. E se o que é perfeito vem das mãos de Deus, como ele também gosta de dizer, pode-se mesmo assumir que há algo de sagrado no ofício do editor. Nesse trabalho aturado e rotineiro que, no final de tudo, torna-se invisível aos olhos de autores e leitores.     
    Mas Plinio não se queixa. Seu ofício é sagrado, valeu-lhe uma vida, toda uma história de superação. Nascido em Pium, nos campos do Goiás, hoje pertencente a Tocantins, a relação de nosso editor com a escrita demorou a se revelar. Apareceu, antes, em sonhos e sob a forma luminosa do ato de escrever na areia, praticado pelo pai. Naqueles tempos distantes, em terras longínquas a escrita era uma revelação fugidia. Ela apenas se materializa na escola. Nessas mesmas escolas que ainda hoje são perseguidas por crianças persistentes, que enfrentam longos caminhos, não raro a fome, as injustiças, mas nunca a desesperança. Até que o filho do Brasil profundo encontra na grande cidade, São Paulo, a figura de um editor notável, a um só tempo acolhedor e rigoroso.
    A relação de Plinio Martins Filho se inicia, de fato, na Editora Perspectiva, há mais de quarenta anos. Ali nosso editor foi subindo os degraus de um velho edifício. Da seção de estoque, passou para a mesa de revisão e preparação. Aprendeu tudo em silêncio, com calma, como sói fazer. Virou páginas, torceu letras e, quando deu por si, fazia o livro inteiro. Dominava o métier. A Edusp acolheu o homem pronto, pobre que era na arte de fazer livros. Também, ali, na lentidão e no silêncio dos dias, uma velha editora ganhava novas roupagens. Ela se modernizava com a universidade. Foram vinte e cinco anos de dedicação reconhecida e agradecida pela maioria dos seus pares.   
    Por tudo isso o editor é aquele leitor benfazejo, que teima em ver na filigrana o que ninguém se dá por conta. Plinio Martins Filho não é o tipo de escritor prolixo. Portanto, não teime e buscar seu nome nas fileiras dos autores brasileiros. Mas seu nome figura nas fileiras dos grandes editores brasileiros do passado. Pois no presente ele é único. No entanto, Plinio se prepara para ser o autor de um grande livro, inédito no Brasil. Trata-se de seu Manual de Editoração e Estilo, volume que já nasce clássico, no qual o editor revela seus segredos, tudo o que aprendeu e executou, silencioso, no fio do tempo. Sem dúvida, passagem obrigatória para todos os tipos de leitores que encontram no livro a melhor morada para se viver. 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Ao mestre Alfredo Bosi, com carinho

"Visitei, o coração batendo forte, a casa de Clos Lucé em Amboise. Tudo está conservado com zelo comovente: o dormitório amplo, a capela onde rezava Ana de Bretanha, a cozinha com lareira e a passagem subterrânea que dava para o castelo. Nos aposentos inferiores a IBM montou maquetes que concretizavam os inventos desenhados por Leonardo. Lá eu vi planando a máquina volante, expressão do desejo humano de vencer a gravidade. Em cada sala tabuletas penduradas no alto das paredes traziam dizeres de Leonardo. Quando cheguei ao topo da escada, uma frase me deteve, e eu gostaria de transmiti-la como fecho destas reflexões; 
dizia:

Nenhum ser vai para o nada".

Com essa passagem registramos nossa homenagem ao grande intelectual brasileiro que nos deixou em 7 de abril de 2021.


excerto extraído de:
Alfredo Bosi, Arte e Conhecimento em Leonardo da Vinci. São Paulo, Edusp, 2017, 88 p. 
A fotografia foi publicada no jornal Folha de S. Paulo, 26/03/2013.

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Chamada de Artigos para o Dossiê Transferências Culturais da Revista Jangada

N. 17 – Dossiê: Transferências Culturais

Prazo para a submissão de artigos: 25 de Maio de 2021
Data prevista de publicação: Julho de 2021

O dossiê visa aprofundar a reflexão sobre as transferências culturais, seja no que diz respeito à teoria literária, seja aos encontros literários. Assim, ele busca abrir novas perspectivas dentro da historiografia cultural. Durante décadas, os estudos e pesquisas sobre a circulação cultural têm sido um campo particularmente rico de intercâmbios, tanto entre países europeus como entre vários continentes. No caso do Brasil, por exemplo, essas transferências têm contribuído inclusive para a construção de uma identidade nacional.
Oferecemos diferentes abordagens sobre a questão dos mediadores culturais, sejam eles homens de letras, jornalistas, livreiros, editores, tradutores, intelectuais, viajantes, diplomatas, comerciantes, etc. Destacamos atividades que evidenciam o papel presumido desses agentes em instituições, associações ou mesmo projetos específicos com o objetivo de reduzir fronteiras e ampliar as relações culturais.

Os artigos podem se enquadrar em um ou mais temas abaixo:

- as modalidades de recepção no exterior de uma corrente literária, de um autor, de uma obra em particular, do período moderno ao contemporâneo: história religiosa e história do livro, psicanálise, teatro, literatura, a fim de contribuir para os estudos transferenciais de modo a colocá-los em uma perspectiva ampla.
- a imprensa: sua história e sua circulação nos diferentes espaços; o papel das revistas, jornais, imprensa popular (folhetim) na divulgação da literatura e da cultura.
- os percursos dos mediadores culturais, as suas redes sociais em matéria de intercâmbios culturais.
- o papel desempenhado pelas associações e instituições e suas estratégias culturais e diplomáticas na promoção e intercâmbio de uma determinada cultura e literatura.
- a relevância e a extensão do uso das transferências culturais como uma ferramenta teórica em diferentes campos do conhecimento, e a oportunidade de considerar os objetos intelectuais em uma abordagem dinâmica, internacional e intercultural.

Para concluir, aguardamos contribuições que abordem uma ou mais destas questões metodológicas e/ou teóricas, cujas principais questões devem estar associadas - mas não limitadas - em torno de temas como linearidade, fronteiras, conceitos relacionados/ concorrentes e impacto/sucesso.

Os artigos podem ser escritos em inglês, francês, português ou espanhol.

Para o número 17, os artigos devem ser submetidos pelo site: https://www.revistajangada.ufv.br/Jangada

Você deve se cadastrar como autor) até o dia 25 de maio de 2021. Lembramos que, do autor, espera-se observar atentamente as normas de publicação disponíveis no site
https://www.revistajangada.ufv.br/Jangada/about/submissions

Contamos com você para a divulgação desta chamada de artigos. Além disso, aproveitamos para convidar você a ler os números anteriores da Revista, no nosso e-mail:
https://www.revistajangada.ufv.br/Jangada/issue/archive. E para consultar nossa página no Facebook: https://www.facebook.com/revista.jangada

Se você tiver alguma dúvida, escreva para revistajangada@gmail.com

Michel Espagne – ENS-CNRS
Dirceu Magri  – UFV, Brasil
Editores
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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Sobre A Marca do Editor, de Roberto Calasso

https://ayine.com.br/catalogo/
a-marca-do-editor/

Para Roberto Calasso, o ofício do editor está muito próximo ao de um barqueiro e de um jardineiro.
Tanto o barqueiro quanto o jardineiro aludem a algo que preexiste: um jardim ou um viajante a ser transportado. Todo escritor possui em si mesmo um jardim a ser cultivado e um viajante a ser transportado (p. 134). 
A imagem, o autor a rouba de Dimitrijevic, editor de origem eslava que emigrou para Lausanne e com quem compartilhou boas conversas nas feiras de Frankfurt.
Esta é apenas uma dentre as belas descrições de Roberto Calasso em A Marca do Editor. Esta edição elegante e coroada por uma escrita magnética, que acaba de ser publicada no Brasil, nos conduz a pensar que todo o livro é um exercício de écfrase, destinado a recuperar a beleza e o estilo da arte editorial.
O texto vibra sobre algumas questões essenciais que tocam não apenas o já malfadado mundo dos livros, mas, a bem dizer, toda a nossa cultura e a maneira como temos nos relacionado com as tecnologias, a informação e o conhecimento. Ao assumir a função editorial como uma forma de mediação entre o produtor (escritor) e o consumidor (leitor), Calasso levanta elementos para a elaboração de uma teoria da arte editorial, ou, no limite, da “edição como gênero literário”. Algo muito próximo do que o tipógrafo californiano reivindicara para seu ofício, inspirando-se em uma definição de Walter Benjamin. Se o estilo literário “é o poder de mover-se livremente pelo comprimento e pela largura do pensamento linguístico sem deslizar para a banalidade”, o estilo tipográfico se define pelo “poder de mover-se por todo o domínio da tipografia e de agir a cada passo de maneira graciosa e vital, sem ser banal”[1]. O ponto essencial reivindicado pelo escritor, pelo tipógrafo e pelo editor coincide, portanto, em não “deslizar para a banalidade”.

O livro único

Roberto Calasso é escritor prolífico e editor de larga experiência, internacionalmente reconhecido. A Adelphi, editora que lançou luz sobre novas correntes do pensamento na Itália dos feéricos anos 60, constitui o testemunho mais eloquente de uma experiência em nada banal. Um liberal convicto e ousado. Talvez, prepotente em algumas assertivas. Porém, detentor de uma generosidade rara ao apresentar seus companheiros de jornada. Adentrou no templo sagrado da Laterza, Einaudi, Mondadori e do aristocrata de extrema esquerda Feltrinelli, com pequenas doses de provocação oriundas da pátria de Radetzky, misturadas a outros títulos totalmente originaisnas livrarias italianas. Vale lembrar, a sede da Adelphi é em Milão, palco de lutas sangrentas contra o exército austríaco, na Primavera dos Povos 1848.
Na Adelphi elaborou – sempre dentro da perspectiva de uma teoria da edição – o conceito do livro único, para o qual não existe apenas uma chave interpretativa, mas alguns caminhos de definição vivenciados na prática: 
a edição crítica de Nietzsche, que era suficiente para nortear todo o resto; e uma coleção de clássico estruturada em critérios bastante ambiciosos: fazer bem o que antes se fizera com negligência (p. 11). 
Assim a concepção de livro único ganha peso e cor na escolha do papel, na ilustração da capa, na tipografia, enfim, através de procedimentos técnicos e da expertisede uma arte que consiste em compor um catálogo editorial capaz de aproximar o repertório de Joseph Roth ao de Fernando Pessoa. Nesse ponto, impossível não pensar na aventura do saudoso J. Guinsburg, que fez da editora Perspectiva uma biblioteca universal[2]. Cada título estampado naqueles volumes oblongos, envoltos em capas brancas, encimadas por tarjas coloridas, que aos poucos iam conformando a sua própria árvore do conhecimento, compunham um livro único, de um editor essencial. E os exemplos não param por aí...

O livro essencial

No que toca à cultura emergente da informação acima de tudo e a qualquer custo, Calasso é inflexível e em suas palavras transborda o fino fel da ironia. A promessa de uma biblioteca digital de acesso amplo e irrestrito, soa-lhe tão ameaçadora quanto a substituição dos livros impressos pore-readers. 
A questão é que a digitalização universal implica uma hostilidade contra um modo de conhecimento – e apenas em segundo momento para o objeto que o encarna: o livro (p. 43).
Os elementos que corroboram sua análise podem ser tirados de experiências hodiernas, vivenciadas nas universidades brasileiras, a começar pelo processo de desqualificação dos livros capitaneado pelos gestores da Capes, com a anuência, vale frisar, da comunidade acadêmica, na última década. Quando seus êmulos mais habituados às famigeradas revistas científicas – cujo principal poder consiste em tornar obsoletas as descobertas publicadas no número da véspera – se tornaram os primeiros cavaleiros do apocalipse da cultura entediante e modorrenta dos livros, não houve surpresas. Espanto maior foi a reação dos autodenominados humanistas, no sentido de rebaixar, também eles, as publicações em livros. E como se esses fatos já não parecessem suficientemente extraordinários, surgem os apóstolos de uma nova era, em que livros se tornam objetos de luxo. Ou, no extremo oposto, quando são relegados à condição de coadjuvantes de uma cultura digital pretensamente superior e mais democrática, ou a de meros instrumentos de apoio à atividade didática, tão arcaicos quanto a velha lousa e o giz. Aliás, um quadro muito familiar à distopia de Ray Bradbury, fazendo-nos crer, como observa o autor, que “nesse caso o mundo poderia até desaparecer, pois seria supérfluo” (p. 51).
Do início ao fim as palavras de Roberto Calasso esbanjam nobreza. Movida pelo conhecimento e pela fé – esta, entendida à luz dos videntes védicos, como “uma confiança nos gestos rituais”, em um exercício mental contínuo – a figura do editor se impregna dessa aura de discernimento e de juízo que se inscreve em uma longa tradição cultural. No seu entender, desde o Humanismo impresso em papel e tinta por Aldo Manuzio. 
E se “todo verdadeiro editor compõe, sabendo ou não, um único livro formado por todos os livros que publica” (p. 136), não deixa de ser trágica a sina de um tipo bastante comum de certo editor contemporâneo. Mais preso às sagas empresariais do que ao mergulho profundo que lhe impõe o conhecimento, nada lhe restará ao recompor sua trajetória. Preso às convenções da forma e às ingerências do mercado, o pobre mercador estará fadado a buscar nas nuvens as marcas do seu passado. Pois, no fim das contas, todo editor reconhece que o que lhe resta é o essencial: o livro.


[1]Robert Brighurst, Elementos do Estilo Tipográfico, Versão 3.0, Trad. por André Stolarski, São Paulo, CosacNaify, 2005, p. 25.

[2]J. Guinsburg, Org. por Sônia Maria de Amorim; Vera Helena F. Tremel, São Paulo, Com-Arte, 1989 (Coleção Editando o Editor, 1).