Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

segunda-feira, 27 de março de 2017

História do Livro - A Biblia de Lutero

LUTERO E O PODER DA PALAVRA

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/03/Lutherbibel.jpg/633px-Lutherbibel.jpg

Quais foram os livros que transformaram a humanidade?
Essa questão já foi levantada muitas vezes e, de tempos em tempos, somos confrontados com um repertório bastante eclético que dá conta da riqueza de nossa história. Os títulos mencionados vão dos textos sagrados, a Bíblia e o Corão para citar dois exemplos, aos livros científicos de Giordano Bruno, de Copérnico, de Newton, ou ainda aos de conteúdo político, como a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, embora não se trate exatamente de um livro, mas de um documento que gerou muitos livros, ou o Manifesto Comunista, de Marx e Engels. 
Mas o que eu gostaria de fazer, hoje, é de reportar a importância de um grande livro e seu potencial transformador da cultura europeia no século XVI: a Bíblia de Lutero.
A primeira edição apareceu em 1534, em dois volumes, na cidade de Wittenberg. Para se ter uma ideia da força deste livro no mercado de seu tempo, cumpre anotar que desde o seu aparecimento, até 1546, data da morte de Lutero, foram publicadas mais de 200 mil cópias, em centenas de reimpressões espalhadas por toda a Europa. Apenas a edição de Wittenberg, impressa por Hans Lufft, chegaria a mais de 100 mil cópias em quarenta anos. Isso sem contar as impressões clandestinas!
Como explicar a força de um livro que, no final das contas, custava ainda muito caro para os padrões dos leitores comuns?
É preciso compreender que a Bíblia de Lutero tem lugar especial na história da Reforma. Mais do que qualquer outro livro, pois vale assinalar que outras edições de bíblias traduzidas para o alemão já eram conhecidas, nenhuma apresentava um texto tão acessível ao leitor médio e àqueles que conheciam apenas os dialetos germânicos. Por isso a Bíblia de Lutero representou, melhor do que qualquer outro livro, o ideal luterano do “sacerdócio de todos os crentes”.
Além disso, o sucesso editorial e a força da Bíblia de Lutero devem ser compreendidos dentro do contexto da difusão da Reforma, sobretudo nessa geografia bastante particular da Europa a leste do limes renano. Ou seja, para além da fronteira do Reno.
As lutas camponesas e as palavras inflamadas desse grande reformador que foi Lutero –  que enfrentou pessoalmente o Papa e o Imperador numa disputa de palavras ímpar na história das lutas religiosas – também tiveram seu papel nos sucessos subsequentes do Livro.
Lutero foi autor de muitos outros escritos, muitos deles difundidos sob a forma dos chamados Flugschriften, ou folhas volantes. Muitas destas folhas ou destes folhetos eram bem ilustrados com o recurso da xilogravura, cuja técnica já se espalhara por todas as oficinas de impressão europeias. Num destes folhetos, com o título aproximado de Conversa ao redor da mesa, encontramos o autor, Lutero, sentado em companhia de amigos, na sala de jantar de sua casa. A esposa, de pé, serve a mesa e acompanha uma longa palestra que se desenrola naquele local. Imagina-se que o conteúdo seja exatamente aquele que Lutero, quase a título de confissão com seus leitores, coloca a nu no pequeno opúsculo.  Fala-se sobre sobre os costumes e os rituais religiosos e tudo se desenrola na imagem da capa e na imaginação do leitor que acompanha o livro nas mãos. Cf. http://histoire-du-livre.blogspot.com.br/2016/03/la-conversation-lecrit-et-limprime-une.html

Esta imagem, somada a tantas outras, nos faz mesmo pensar que a força da Bíblia de Lutero era impulsionada pela figura de seu autor e pelo grande cisma que ele promovia naquela Europa... em pleno alvorecer da modernidade.
A disciplina História do Livro é ministrada na Escola de Cominicações e Artes, no Departamento de Jornalismo e Editoração para a comunidade uspiana. 

segunda-feira, 20 de março de 2017

História do Livro - Europa, berço do livro ocidental

Europa

A Europa, como o lenho das árvores, se fez por camadas sucessivas, por idades diferentes. O mais velho lenho do Ocidente, o cerne da árvore, é o que dela fora conquistado - e civilizado - outrora pelo Império romano, quando este se estendeu para oeste e para o norte até a dupla articulação do Reno e do Danúbio, de um lado, e das ilhas Britânicas, do outro, de que manteve, e mal, apenas uma parte (em linhas gerais, a bacia de Londres). 
Do outro lado dessas fronteiras, a civilização europeia propagou-se tardiamente, após a queda do Império romano: são as camadas novas e superficiais do alburno. O Ocidente medieval colonizou, no sentido nobre do termo, esse mundo próximo do seu, nele instalando suas igrejas, sues missionários. As abadias, os bispados da longínqua Roma são ali seus alicerces. 
Fernand Braudel, A Gramática das Civilizações. São Paulo: Martin Fontes, 2004, p. 324. 

A História do Livro ocidental tem seu berço na Europa. Das primeiras tábuas de argila cunhadas na Suméria à sua difusão pelos fenícios, na porção oriental do Mediterrâneo, no segundo milênio da antiguidade, vemos desenvover-se no mais velho lenho do ocidente as primeiras transformações da escrita, de seus suportes e de suas respectivas formas de conservação e sistematização. 
Os primeiros rolos em papiro surgem no Egito, no delta do Nilo e sua expansão atinge a Grécia no século VII a.C. 
Serão necessários alguns séculos e mudanças profundas na forma de conceber e guardar o conhecimento para que o livro, esse suporte tão precioso quanto necessário à salvaguarda da memória das sociedades tome sua forma definitiva... ou quase. Antes de adentrarmos nesse capítulo, é preciso conhecer de perto o Velho Continente em suas múltiplas camadas. 
É preciso observar bem seus espaços, conhecer seus múltiplos caminhos e inquirir sobre as conquistas e os cataclismos que fizeram dessa antiga princesa fenícia, que arrebatara o coração de Zeus por sua beleza, um espaço privilegiado para a difusão das grandes inovações da Época Moderna, dentre elas, o livro impresso.  

A disciplina História do Livro é ministrada na Escola de Cominicações e Artes, no Departamento de Jornalismo e Editoração para a comunidade uspiana.