Edições falsas, catálogos imaginários e a loucura dos livros tomam de assalto o mundo dos leilões de raridades... Vejam alguns casos.
No pequeno grande mundo da bibliofilia os
leilões têm um papel fundamental na circulação e conservação de obras raras. Não
é fácil adentrar nesse meio, pois como ocorre com objetos de arte, joias,
carros antigos, artigos, enfim, que não se encontram em série no mercado aberto, a aquisição de livros exige astúcia, conhecimento e muita
sensibilidade. Talvez o último atributo seja o mais raro e o mais estimado
entre os colecionadores de livro.
Em O
Bibliófilo Aprendiz, este clássico de Rubens Borba de Moraes, a arte de
comprar nas livrarias especializadas é revelada em suas minúcias por quem
entendia bem do assunto. Para adquirir raridades é preciso estar integrado aos
grandes centros, ou seja, Paris, Londres, Genebra e Nova Iorque. Ter amigos
livreiros conta muito, senão, é preciso manter um bom agente à espreita de
raridades. O circuito exige um desembolso considerável, mas o dinheiro não é
tudo! É nesse ponto que a narrativa de nosso mestre se torna mais curiosa.
Afinal, mostra-nos o autor pela sucessão de exemplos vários, colhidos muito
provavelmente de suas próprias experiências, que mais vale o faro do que uma
boa soma no bolso. O bom mesmo, é quando um e outro andam juntos, mas isto nem
sempre é possível. Como ele diz, uma biblioteca abarrotada de raridades, mas
sem espírito, sem o engenho e a arte que lhe conferem uma unidade, senão, uma
identidade, está fadada ao ostracismo. Torna-se, antes, objeto de decoração ao
sabor dos novos ricos.
A literatura está particularmente recheada
de casos extraordinários que envolvem o circuito de raridades. Bibliomania, de Gustave Flaubert,
baseia-se na história de um livreiro catalão, cujo nome foi estampado na Gazeta dos Tribunais, em 1836, quando
condenado à morte por seus crimes. A notícia correu o mundo e inspirou o jovem
escritor, que à época contava com seus quinze anos, na escrita de um conto no qual a cobiça por raridades
conduz o colecionador a práticas criminosas, até o assassinato. Em 1860 sai
também na França o opúsculo de Charles Asselineau, sob o título O Inferno do Bibliófilo. A narrativa faz
jus ao gênero de suspense, pois nos conduz a uma série de desenganos cometidos
por um colecionador enlouquecido que sai a comprar toda sorte de livros nos
leilões de Paris. Ridicularizado, humilhado, enganado e falido, nosso herói
termina por colecionar uma série de engodos. Ouro de tolo... e nada mais. Na década de 1840, surge a notícia de que a
biblioteca de um certo conde de Fortsas seria leiloada. O catálogo da dita coleção
foi distribuído com parcimônia, não mais do que 120 exemplos, talvez o
suficiente para aguçar a curiosidade dos mais afoitos. E incautos. Pois tudo
não passava de obra de ficção.
Um elemento em comum nas três narrativas consiste
no limite tênue entre o real e a imaginação. O livreiro catalão – diga-se de
passagem, ele cometera um crime por uma obra que não era única, como ele
acreditava – não passou de uma blague publicada
na gazeta francesa. Tão falsa quanto a narrativa de Asselineau. Da mesma
maneira que o conde de Fortsas e sua richissimi
biblioteca nunca existiram. Será?
E como nem tudo o que reluz é ouro, mais
vale a cautela, diria o mestre Rubens Borba de Moraes.
Ótimo post! Deu vontade de dar uma folheada no Bibliófilo Aprendiz...
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