Um livro, um sonho
Homenagem a Claudio Giordano, bibliófilo e tradutor
“Se desejas, leitor, conhecer brevemente o que está contido nesta obra, saibas que Polifilo conta nela que viu em sonhos coisas admiráveis, e que a intitula com palavra grega, luta de amor com sonhos ”.
Uma longa viagem narrativa, publicada em 1499, parecia fechar com chave
de ouro a era dos incunábulos – nome dado aos livros impressos com tipos móveis
no período de 1440 a 1501. É bem verdade que no primeiro meio século da grande
invenção de Gutenberg a nova arte buscara honrar os mais belos códices
manuscritos até então conhecidos. E eles eram tantos, feitos com tal graça, que
custava a acreditar que braços mecânicos fariam subsistir aquilo que mãos
hábeis e divinas se atreveram a criar.
Hypteronomachia Poliphili, ou simplesmente Sonhos de Polifilo constitui um exemplar
raro. Foi impresso em Veneza, na oficina tipográfica de Aldo Manuzio. Iluminam
o texto 38 gravuras talhadas de forma engenhosa, por artista ainda
desconhecido. Sabe-se apenas que a finesse
dos traços, os quais resultam em cenas absolutamente dinâmicas e naturais
teria despertado a atenção de grandes artistas, por séculos a fio, dentre eles
Aubrey Beardsley (1872-1898), com suas musas longilíneas e sensuais.
Nesta história escrita em toscano, latim, grego e alguns neologismos do
autor, o amor sensual atinge seu clímax no encontro do herói com as musas. Mas
este se choca com o amor ideal, distante, senão, impossível... o amor de Polia
– cuja voz fará eco no segundo livro. Um confronto, uma luta, uma viagem,
enfim, “onde se ensina que tudo quanto é humano não passa de sonho”, segundo
advertência do próprio autor.
Já era o tempo de conhecermos uma edição vertida para o nosso
vernáculo. Coube a Claudio Giordano, este amante dos livros, a nobre tarefa. O
tradutor premiado de Tirant lo Blanc
acaba de trazer a lume dois belos volumes in-folio:
no primeiro, o texto traduzido; no segundo, um fac-símile da primeira edição (aldina) pertencente à coleção
Mindlin. Aos interessados, os dois volumes acabam de ser publicados pela
Imprensa Oficial de São Paulo.
O tradutor toma como base o texto em espanhol. Um “tradutor, traidor”,
pois como ele mesmo explica, “se Jorge Luis Borges pôde dizer que existirão
tantas Mil e Uma Noites quantos forem
seus tradutores, com muito maior razão se pode aplicar esta assertiva à de
Colonna (ou será de Alberti?)”. A pergunta tem razão de ser: atribui-se lhe a
autoria por meio de um acróstico formado pela combinação das letras que compõem
o início dos trinta e oito capítulos que integram o livro: Poliam frater Franciscus Colonna peramavit (“o irmão Francesco
Colonna adorou Polia”). Uma hipótese há séculos aceita, mas, sob suspeição – o
que só aumenta o mistério em torno desta obra.
Obra admirável e belíssima edição. Trabalho impecável do tradutor e editor Cláudio Giordano. FLA (Google)
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