Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Sobre Livros - Os Traços de Da Vinci

A Edição dos Cadernos Anatômicos de Leonardo da Vinci no Brasil

Este trabalho deve começar pela concepção do homem: descreva a natureza do ventre; como a criança aí habita e até que estágio aí permanece; de que modo ela se movimenta e se alimenta; seu crescimento; e que intervalo existe entre um estágio e o seguinte de seu crescimento; o que a expele do corpo da mãe e por qual motivo é expelida do ventre de sua mãe antes do devido tempo. 

Leonardo Da Vinci

Os Cadernos Anatômicos de Leonardo da Vinci. Tradução de Pedro Carlos Piantino Lemos e Maria Cristina Vilhena Carnevale. Cotia: Atelie Editorial; Campinas: Unicamp, 2012, 520 p. ills. 
Desde a Antiguidade Clássica a denominada "Série das Cinco Figuras Anatômicas" constituiu o principal modelo de estudo do corpo humano, baseado naquilo que Aristóteles concebia como "paradigmas, esquemas e diagramas". E foram estes os princípios dominantes até a Baixa Idade Média, quando aqueles traços rudimentares foram aos poucos sendo substituídos pelas miniaturas dos códices manuscritos. Neste ponto, vale saudar o desenvolvimento das técnicas de ilustração em benefício da ciência. 
Mas é claro que os livros ricamente ilustrados, em cópias não raro feitas em pergaminho, não se destinavam a um amplo público. De tal sorte que os esquemas antigos se mantiveram por longos séculos, tendo sido encontrados em ilustrações de tratados médicos desde a América até a Ásia.
A invenção da imprensa, conjugada com o desenvolvimento das artes visuais durante a Renascença, elevaram a ilustração dos corpos humanos e, por conseguinte, os conhecimentos anatômicos a novos patamares. Exemplo eloquente desta comunhão entre a tradição dos estudos e a inovação técnica se encontra na Tabulae Anatomica, publicada em 1538, por Andreas Vesalius (1516-1564). Sua obra máxima, De Humani Corporis Fabrica, seria impressa alguns anos mais tarde, em 1543, na oficina de Oporino, na Basileia.
Antes, porém, é possível observar que na vibrante Itália seus artistas já se dedicavam aos estudos de anatomia, cuja palavra deve ser compreendida, neste caso, menos como um esforço da ciência médica, do que como uma investigação artística. Embora fosse muito difícil, naquele contexto, distinguir entre um campo e outro, quando a própria teoria da arte se tornava, ela mesma, uma ciência.
Assim os estudos de Leonardo da Vinci (1452-1519), cujos traços acompanhavam considerações várias baseadas na leitura e na observação do corpo humano, adquiriam pouco a pouco a forma de um tratado, concebido, desenhado e escrito ao longo de uma vida atormentada pelo excesso de trabalho em um ambiente tanto profícuo do ponto de vista da criação artística, quanto instável, do ponto de vista político. Acredita-se que estes estudos tiveram início em Milão, por volta de 1489 e seguiram por toda a sua vida. As últimas anotações identificadas datam de 1513, quando o artista gozava de seus últimos dias de privilégios em Roma, antes de partir definitivamente para o Castelo de Cloux, em Amboise, sob a proteção de Francisco I, da França.
A trajetória dos cadernos, sua descoberta e ordenamento a partir dos originais da Biblioteca de Windsor, pelos estudiosos O'Malley e Saunders, podem ser hoje apreciados, lidos e estudados na belíssima edição, ricamente ilustrada e preparada pela Ateliê Editorial e Editora da Unicamp. O volume foi traduzido e preparado pelo competente Dr. Pedro Carlos Piantino Lemos, em parceria com Maria Cristina Vilhena Carnevale. Esta mesma parceria fora responsável pela edição magistral da obra de Vesalius, da qual cuidaeremos noutra ocasião. 
Pode-se dizer que a edição dos cadernos perpetua, uma vez mais, a comunhão entre arte e ciência como nos tempos de Da Vinci. 

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