Do Dicionário de Citações
Dupla delícia.O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.Mário Quintana
domingo, 13 de abril de 2014
terça-feira, 8 de abril de 2014
Entrevista com Jean-Yves Mollier
Jean-Yves Mollier na Livraria João Alexandre Barbosa - Edusp, 2010 |
Em retorno ao Brasil, autor de O Dinheiro e as Letras discute a atualidade do debate empreendido em seu livro há vinte anos. A edição brasileira (Edusp, 2010) vem revista e atualizada.
Desde a publicação de O Dinheiro e as Letras: História do
Capitalismo Editorial, pela Edusp, em 2010, o historiador francês Jean-Yves
Mollier, pesquisador do Centre d’histoire culturelle
des sociétés contemporaines, da Université de Versailles
Saint-Quentin-en-Yvelines estreitou
ainda mais seus laços intelectuais com o Brasil. Se, de um lado, parece certa a
importância de seus escritos para a compreensão do mercado editorial
contemporâneo, o qual toca em grande medida a própria formação do campo
editorial brasileiro, por outro lado, o pesquisador tem difundido a pesquisa
brasileira no exterior.
A entrevista
gentilmente concedida a esta pesquisadora trata de questões relacionadas à sua
produção intelectual, mas também de seus contatos com os colegas brasileiros,
além de discorrer sobre uma temática que lhe é muito cara, a saber, o poder do
livro político, sobretudo, do livro de esquerda e os possíveis pontos de
contato entre a França e o Brasil. A questão foi abordada por ocasião do evento
“Memórias Militantes”, que ocorrereu na Tenda Cultural Ortega y Gasset entre os
dias 1 e 3 de abril, onde houve o lançamento do livro Edição e Revolução no Brasil e na França, organizado por Jean-Yves
Mollier e Marisa Midori Deaecto, em uma coedição entre a Editora da
Universidade Federal de Minas Gerais e a Ateliê Editorial.
No dia 1 de abril, às
14 horas, o historiador promoveu um bato-papo sobre O Dinheiro e as Letras, na FFLCH-USP, prédio das Letras, sala 261.
O encontro foi aberto e destinado a todos os interessados.
Agradecemos a todos os participantes que
concorreram para o êxito de nossas discussões e postamos, abaixo, a entrevista com
Jean-Yves Mollier, publicada de forma resumida pelo Jornal da USP, na semana de 1 a 5 de abril e que agora segue na íntegra.Professor, o senhor tem visitado o Brasil há pelo menos duas décadas. Como o senhor avalia os progressos observados no campo de pesquisa em História do Livro em nosso país ?
Se tomamos como ponto de partida a publicação de Laurence Hallewell, O Livro no Brasil (Sua Historia), em 1985, o qual se apresenta, em certo sentido, a certidão de nascimento da pesquisa sistemática no domínio da história do livro, da edição e da leitura, três dimensões inseparáveis, é possível mensurar o caminho percorrido. Existe hoje uma verdadeira biblioteca brasileira consagrada à história do livro e dezenas de pesquisadores ilustram a vitalidade deste setor. Devo evocar, ainda que muito brevemente, os trabalhos publicados ou coordenados por Márcia Abreu, da Unicamp, ou aqueles realizados por Eliana Freitas Dutra na UFMG, os de Aníbal Bragança e seus dois seminário brasileiros, intitulados « Livro e História Editorial » – as duas versões do Lihed, de 2004 e 2009 – realizados na UFF e, claro, na USP, onde Marisa Midori Deaecto e Plinio Martins Filho animam uma pesquisa extremamente dinâmica que encontra, com o apoio da Edusp, uma saída imediata. Com eles Gabriela Pellegrino Soares, Nelson Schapochnik, Sandra Vasconcelos e outros pesquisadores produziram, nos últimos anos, pesquisas que provocaram renovações de fundo que nos permitem conhecer melhor a história do livro no Brasil. Devo ainda somar, a este grupo, os trabalhos de um antropólogo argentino, Gustavo Sora e de pesquisadores portugueses, dentre eles, João Luís Lisboa, José Santos Alves e, certamente, de outros brasileiros igualmente produtivos, como Marisa Lajolo, Tania Bessone, Orna Levin, Lúcia Bastos, Lúcia Granja, Tania Regina de Luca, Luís Carlos Villalta e Gisele Venâncio. Todos ilustram pela diversidade de seus trabalhos, publicados entre 1990 e 2014, a renovação profunda da historiografia neste campo da pesquisa histórica nestes dois últimos decênios.
Falemos um pouco sobre o livro O Dinheiro e as Letras e seu caráter inovador, ao conciliar dois elementos que se apresentavam até aquele momento, como um verdadeiro tabu entre os intelectuais.
Quando eu tomei a decisão de publicar O Dinheiro e as Letras: História do Capitalismo Editorial, em 1988, eu queria obrigar os pesquisadores a um retorno aos fundamentos de nossa disciplina e à lição que Lucien Febvre havia traçado em 1958, a qual foi logo em seguida tomada por Henri-Jean Martin, a saber, o livro se define por duas tensões aparentemente opostas, primeiro, “O livro, esta mercadoria” (Capítulo 4 de O Aparecimento do Livro) e, em seguida, “O livro, este fermento” (o Capítulo 8). Diante de uma tendência muito presente ente os literários, mas também entre os historiadores de supervalorizar o segundo aspecto, era necessário lembrar que o livro se insere nos circuitos da produção mercantil, que ele obedece a lógicas de tipo econômico e, claro, financeiro e que, enfim, não se pode compreender intimamente um certo número de realidades culturais sem este pano de fundo. Eu sempre tomo um exemplo preciso para ilustrar a riqueza e a originalidade desta abordagem. Os especialistas Gustave Flaubert escreveram por um longo tempo que o manuscrito de Madame Bovary renderam ao autor oitocentos francos, o que renderia aproximadamente nos dias de hoje a soma de quatro mil euros. Ora, para se compreender as razões de um tal valor, é preciso saber que o preço médio do manuscrito de um iniciante nas letras era então fixado, em Paris, no valor quatrocentos francos, ou seja, como o volume era dividido em dois tomos, ele recebeu o dobro, duas vezes quatrocentos e não simplesmente oitocentos! Flaubert recebeu aproximadamente a mesma soma percebida pela Condessa de Ségur, nos anos de 1857-1858. Se estas somas parecem sem sentido, isto ocorre porque nós perdemos de vista a lógica que regia o mercado do livro neste período, em Paris. Obrigar-se a considerar estas realidades econômicas, até mesmo triviais, quando consideramos o caráter eminentemente literário desta grande obra, implica em se dar os meios de evitar qualquer tipo de anacronismo e de confundir um julgamento de ordem moral com a análise científica de um problema histórico…
Desde 1988 eu tive muitas oportunidades de
prolongar minhas análises sobre as relações entre o dinheiro e as letras, de
formar dezenas de pesquisadores com seus próprios métodos e de estender minhas
análises tanto para o século XVIII, quanto para os séculos XX e XXI. Tudo isto
despertou em mim o interesse pelas concentrações capitalistas que modificaram
radicalmente o mundo da edição, no momento em que elas suprimiram numerosas
estruturas familiares e as transformaram em sociedades anônimas. Interessava-me
averiguar, sobretudo, a substituição que se observa, após 1990, do capitalismo industrial
para o capitalismo financeiro, o qual se aproximava das antigas editoras
familiares para as transformar em grandes estruturas do tipo McMillan, na
Inglaterra, Hachette, na França, ou Mondadori, na Itália. Estou de pleno acordo
com André Schiffrin, falecido muito recentemente, ou com Gisèle Sapiro, pois
nós trabalhamos com a globalização em curso no mundo e com os riscos em que ela
colocou as editoras de criação, de práticas artesanais e livres de todas as
cargas e forças que atuam sobre o mercado.
Como
o senhor avalia a recepção de O Dinheiro
e as Letras no Brasil ?
Meu trabalho fez escola entre os
pesquisadores que se interessam pela dimensão econômica do livro, pelas
condições de produção e de circulação, as quais determinam, em parte, a
recepção, na mesma medida em que concorre na definição dos horizontes de
expectativas dos leitores. Eu penso, portanto, que ele seja também muito útil e
utilizado pelos especialistas de Literatura e pelos Sociólogos que dispõem de
materiais suscetíveis a confrontar ou modificar a percepção de certas
realidades literárias. Publiquei recentemente na Revue d’histoire littéraire de la France um artigo consagrado à
escrita de Pierre Loti, escritor rejeitado pelos surrealistas no início do
século XX sob o pretexto de que sua obra se destinava ao grande público. Ora,
ao analisar as tiragens e a venda de Pêcheur
d’Islande, um de seus romances mais lidos, compreende-se bem que foi a
passagem deste obra para o circuito de grande difusão, em 1907, que provocou a
rejeição de um escritor que até aquele momento era considerado como acadêmico e
clássico. Sua obra não era, nessa medida, alvo de desqualificação por parte
daqueles que estavam ao seu redor no início do século XX e é divertido
constatar que os especialistas da crítica literária reproduziram um julgamento
historicamente datado sem jamais se perguntar sob quais condições se deu o
declínio aos infernos deste romancista sulfuroso, cujo primeiro romance,
julgado excessivamente homossexual – Behidgé,
antes de se tornar Aziyadé – foi reescrito
para satisfazer o editor que temia os golpes da censura caso ele permitisse o
livre curso da sexualidade desabrida de um escritor iniciante (em 1878)...
Parece-me que a metodologia que eu proponho pode ser facilmente transportada
para o Brasil, mesmo se os arquivos das editoras sejam menos conservados e
acessíveis do que os franceses. Meu diálogo permanente com os editores
brasileiros me convence cada vez mais de que O Dinheiro e as Letras, cuja edição brasileira foi beneficiada de
uma atualização importante em 2008, mantém-se um livro muito folgadamente transferível
para o Brasil.
Faz sentido, então, dizer que independentemente do caminho que se escolha para as investigações em História do Livro, o pesquisador não pode prescindir do econômico? Em que medida a globalização e o aparecimento de novas mídias têm seu peso nessa abordagem?
Parece-me que tanto no Brasil, quanto na
França, torna-se urgente analisar as mutações que transformam a economia do
livro integrando-a aos circuitos internacionais. O livro também passa pela
mundialização da economia e a chegada dos novos suportes digitais deve acentuar
este fenômeno, o que permite a Amazon, ao Google e aos novos atores do livro de
levar uma parte importante da cadeia das profissões do livro. Isto não quer
dizer que o livro impresso vai desaparecer, mas isto significa que as livrarias
vão encontrar concorrentes fortes, que os editores verão surgir em seus
caminhos grupos prontos para lhes tomar uma porção significativa de seus
mercados, ou até mesmo de lhes tomar o lugar no mercado. O fato de um dos best sellers de 2013, na França, As cinquenta cores do cinza, ter sido
antes concebido para o comércio digital demonstra bem o perigo que ameaça o
sistema editorial. Se editar não mais significa escolher, ajudar o autor a
aprimorar seu texto para o transformar em livro, ou ainda somar alguma coisa ao
manuscrito para o tornar, assim, um fermento, uma criação artística,
científica, histórica, ou outra coisa, então a edição terá vivido seu tempo e
desaparecerá em proveito da simples publicação estandardizada, formatada e
pronta para ser digerida.
Quais são os teus compromissos no Brasil, durante esta curta jornada?Além de discutir com os pesquisadores brasileiros, na USP, os desdobramentos de O Dinheiro e as Letras, a temporada, a curta temporada, vale dizer, conta com o lançamento de Edição e Revolução, coordenado Marisa Midori Deaecto e por mim. Trata-se de uma produção original, pois quatro pesquisadores brasileiros e quatro pesquisadores franceses se reuniram em torno de uma problemática idêntica – a relação estabelecida pelo Partido Comunista de cada um de seus países e o livro, no período de 1920 a 1980 – e tentaram mostrar as respostas dadas tanto pelo PCB, quanto pelo PCF aos problemas levantados pela agitprop (o programa soviético baseado na agitação e propaganda para a difusão de sua ideologia), a cultura de massa e a formação dos militantes. É importante observar que meu contato permanente com Marisa Midori, que passou vários meses em minha universidade enquanto ela preparava sua tese de doutoramento em História, facilitou a reunião de duas equipes voltadas para este novo livro que organizamos e, em certo sentido, as minhas várias temporadas na USP, o que reforçou minhas ligações com os pesquisadores brasileiros.
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