Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Impressões Paulistanas...

Bandeirianamente

Matriz da Sé e Fachada da Livraria e Papelaria de A. Louis Garraux. São Paulo, 1862, por Militão Augusto de Azevedo
O tempo passa ligeiro e os assuntos escorrem pelas páginas. Escrever sobre livros é tarefa sem fim.
Houve um tempo em que as livrarias ficavam nas ruas e o transeunte, por mais absorvido que estivesse em seus pensamentos, via-se impelido a entrar. Uma Estrela da Manhã com as folhas amareladas no fundo do corredor já era sinal de dia ganho.
Muitas bibliotecas particulares se formam, assim, bandeirianamente, nos interlúdios de caminhadas descompromissadas. A paisagem se torna ainda mais poética, quando as livrarias e sebos percorridos se distribuem nos desvãos de uma cidade empoeirada e invernal, como a São Paulo de outros tempos. Percorrer os olhos pelas estantes é viajar no tempo, nas tardes frias e escuras de julho, quando se caminhava sem pressa...
Na 15 de Novembro, a fachada de uma Garraux reinventada nas páginas de uma pesquisa acadêmica; na São Bento, um sebo de acesso difícil, por entre os andares de um edifício robusto; na rua São Francisco, toda a literatura da Academia Paulista de Letras, a Paulística, a Biblioteca Histórica Paulista, a Documentos Brasileiros, primeiras edições nem sempre bem cuidadas, mas sem dúvida cobiçadas, que saíam silenciosas em uma sacolinha de plástico, sob as recomendações de um vendedor sisudo e de bom coração; na Pça. João Mendes os sebos foram sempre em maior número. Tantos que não cabiam no espaço da tarde.
Os livros perdidos compõem um capítulo importante na memória dos sebos e livrarias da cidade. Uma primeira edição de Marx, sorrateira, deixou o gosto amargo do livro que se perdeu. A Cidade das Letras estava lá, por que, então, demorou tanto para ser vista? A viagem ao Reno que nunca se completou. As primeiras edições que não se realizaram. E os franceses, com suas edições encadernadas, suas folhas de rosto impressas em tipografia elegante, suas composições austeras e impecáveis, papeis de boa qualidade, volumes que perfaziam bem os ideais de uma Revolução universal que jamais se efetivou. Mas que se acreditava possível, embora distante. O historiador não tem pressa!
Haveria muito a se contar sobre os volumes escondidos, embaralhados, misturados. Quanta tensão, afinal, não se depositou nas estantes de um sebo movimentado do velho centro?
Finda a jornada. Ao atravessar a Pça. Clóvis, caminho certo para um bom café paulistano no Páteo do Colégio, impossível não se rir dos vinte e cinco cruzeiros e do retrato.
Já se disse nesta coluna que os livros são a memória do mundo. Das civilizações. No tempo dos homens, os livros constituem parte de sua memória e de sua história. Como ensina um grande bibliófilo, o livro que depositamos em nossas estantes se tornam indivíduos com suas qualidades e defeitos. Eles são únicos, porque guardam, além de tudo, uma história que é só nossa.

“Obrigado, Mario, pela tua companhia”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário