Bandeirianamente
Matriz da Sé e Fachada da Livraria e Papelaria de A. Louis Garraux. São Paulo, 1862, por Militão Augusto de Azevedo |
O tempo passa
ligeiro e os assuntos escorrem pelas páginas. Escrever sobre livros é tarefa
sem fim.
Houve um tempo em
que as livrarias ficavam nas ruas e o transeunte, por mais absorvido que
estivesse em seus pensamentos, via-se impelido a entrar. Uma Estrela da Manhã com as folhas
amareladas no fundo do corredor já era sinal de dia ganho.
Muitas bibliotecas
particulares se formam, assim, bandeirianamente, nos interlúdios de caminhadas descompromissadas.
A paisagem se torna ainda mais poética, quando as livrarias e sebos percorridos
se distribuem nos desvãos de uma cidade empoeirada e invernal, como a São Paulo
de outros tempos. Percorrer os olhos pelas estantes é viajar no tempo, nas
tardes frias e escuras de julho, quando se caminhava sem pressa...
Na 15 de Novembro,
a fachada de uma Garraux reinventada nas páginas de uma pesquisa acadêmica; na
São Bento, um sebo de acesso difícil, por entre os andares de um edifício
robusto; na rua São Francisco, toda a literatura da Academia Paulista de
Letras, a Paulística, a Biblioteca Histórica Paulista, a Documentos
Brasileiros, primeiras edições nem sempre bem cuidadas, mas sem dúvida
cobiçadas, que saíam silenciosas em uma sacolinha de plástico, sob as
recomendações de um vendedor sisudo e de bom coração; na Pça. João Mendes os
sebos foram sempre em maior número. Tantos que não cabiam no espaço da tarde.
Os livros perdidos
compõem um capítulo importante na memória dos sebos e livrarias da cidade. Uma
primeira edição de Marx, sorrateira, deixou o gosto amargo do livro que se
perdeu. A Cidade das Letras estava
lá, por que, então, demorou tanto para ser vista? A viagem ao Reno que nunca se
completou. As primeiras edições que não se realizaram. E os franceses, com suas
edições encadernadas, suas folhas de rosto impressas em tipografia elegante, suas
composições austeras e impecáveis, papeis de boa qualidade, volumes que
perfaziam bem os ideais de uma Revolução universal que jamais se efetivou. Mas
que se acreditava possível, embora distante. O historiador não tem pressa!
Haveria muito a se
contar sobre os volumes escondidos, embaralhados, misturados. Quanta tensão,
afinal, não se depositou nas estantes de um sebo movimentado do velho centro?
Finda a jornada. Ao
atravessar a Pça. Clóvis, caminho certo para um bom café paulistano no Páteo do
Colégio, impossível não se rir dos vinte e cinco cruzeiros e do retrato.
Já se disse nesta
coluna que os livros são a memória do mundo. Das civilizações. No tempo dos
homens, os livros constituem parte de sua memória e de sua história. Como
ensina um grande bibliófilo, o livro que depositamos em nossas estantes se
tornam indivíduos com suas qualidades e defeitos. Eles são únicos, porque
guardam, além de tudo, uma história que é só nossa.
“Obrigado, Mario,
pela tua companhia”.
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