LUTERO E O PODER DA
PALAVRA
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Quais foram os livros que transformaram a humanidade?
Essa questão já foi levantada muitas vezes e, de tempos em
tempos, somos confrontados com um repertório bastante eclético que dá conta da riqueza
de nossa história. Os títulos mencionados vão dos textos sagrados, a Bíblia e o
Corão para citar dois exemplos, aos livros científicos de Giordano Bruno, de
Copérnico, de Newton, ou ainda aos de conteúdo político, como a Declaração de
Direitos do Homem e do Cidadão, embora não se trate exatamente de um livro, mas
de um documento que gerou muitos livros, ou o Manifesto Comunista, de Marx e Engels.
Mas o que eu gostaria de fazer, hoje, é de reportar a
importância de um grande livro e seu potencial transformador da cultura
europeia no século XVI: a Bíblia de Lutero.
A primeira edição apareceu em 1534, em dois volumes, na
cidade de Wittenberg. Para se ter uma ideia da força deste livro no mercado de
seu tempo, cumpre anotar que desde o seu aparecimento, até 1546, data da morte
de Lutero, foram publicadas mais de 200 mil cópias, em centenas de reimpressões
espalhadas por toda a Europa. Apenas a edição de Wittenberg, impressa por Hans
Lufft, chegaria a mais de 100 mil cópias em quarenta anos. Isso sem contar as
impressões clandestinas!
Como explicar a força de um livro que, no final das contas,
custava ainda muito caro para os padrões dos leitores comuns?
É preciso compreender que a Bíblia de Lutero tem lugar
especial na história da Reforma. Mais do que qualquer outro livro, pois vale
assinalar que outras edições de bíblias traduzidas para o alemão já eram
conhecidas, nenhuma apresentava um texto tão acessível ao leitor médio e àqueles
que conheciam apenas os dialetos germânicos. Por isso a Bíblia de Lutero representou,
melhor do que qualquer outro livro, o ideal luterano do “sacerdócio de todos os
crentes”.
Além disso, o sucesso editorial e a força da Bíblia de
Lutero devem ser compreendidos dentro do contexto da difusão da Reforma,
sobretudo nessa geografia bastante particular da Europa a leste do limes
renano. Ou seja, para além da fronteira do Reno.
As lutas camponesas e as palavras inflamadas desse grande
reformador que foi Lutero – que
enfrentou pessoalmente o Papa e o Imperador numa disputa de palavras ímpar na
história das lutas religiosas – também tiveram seu papel nos sucessos
subsequentes do Livro.
Lutero foi autor de muitos outros escritos, muitos deles
difundidos sob a forma dos chamados Flugschriften,
ou folhas volantes. Muitas destas folhas ou destes folhetos eram bem ilustrados
com o recurso da xilogravura, cuja técnica já se espalhara por todas as
oficinas de impressão europeias. Num destes folhetos, com o título aproximado
de Conversa ao redor da mesa, encontramos
o autor, Lutero, sentado em companhia de amigos, na sala de jantar de sua casa.
A esposa, de pé, serve a mesa e acompanha uma longa palestra que se desenrola
naquele local. Imagina-se que o conteúdo seja exatamente aquele que Lutero,
quase a título de confissão com seus leitores, coloca a nu no pequeno opúsculo.
Fala-se sobre sobre os costumes e os
rituais religiosos e tudo se desenrola na imagem da capa e na imaginação do
leitor que acompanha o livro nas mãos. Cf. http://histoire-du-livre.blogspot.com.br/2016/03/la-conversation-lecrit-et-limprime-une.html
Esta imagem, somada a tantas outras, nos faz mesmo pensar
que a força da Bíblia de Lutero era impulsionada pela figura de seu autor e
pelo grande cisma que ele promovia naquela Europa... em pleno alvorecer da modernidade.
A disciplina História do Livro é ministrada na Escola de Cominicações e Artes, no Departamento de Jornalismo e Editoração para a comunidade uspiana.
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