Relato de um encontro inesquecível
Arte de Ciro Yoshyiassi para o Simpósio Internacional que reuniu especialistas em edição e história editorial da obra de Karl Marx |
Dois mini-cursos ministrados por especialistas se desenvolveram simultaneamente. Sob a coordenação de Jorge Grespan, pudemos aprender muito sobre o processo de edição dos manuscritos de Marx. Rolf Hecker e Carl-Erich Vollgraf compuseram a equipe editorial da obra completa de Marx e Engels, a chamada MEGA (2), considerando que a primeira foi realizada nos anos de 1940, por Riazhanov.
Os especialistas se reuniram no último dia das atividades, quinta-feira, 31 de agosto, em uma mesa redonda marcada por muita descontração e informações relevantes sobre a edição da MEGA e sobre a trajetória editorial de El Capital nos países hispano-americanos.
É interessante observar a engenhosidade do processo editorial dos manuscritos de Marx e Engels. Para além do aspecto anedótico - e não menos verdadeiro - da dificuldade de se decifrar a caligrafia do Mouro, vale acrescentar que todo o trabalho não deve descuidar de uma verdadeira crítica genética dos textos, além de conhecimentos profundos dos princípios da filologia e da ecdótica. O desenvolvimentos de expertises e técnicas editoriais, além dos aspectos tecnológicos, cujo salto se deu nas duas últimas décadas, certamente concorreram para um trabalho mais minucioso e preciso, o que faz dessa nova versão algo assombosamente maior e melhor elaborado do que o trabalho de escriba medieval realizado durante a geração de Riazhanov.
Sabe-se, por exemplo, graças às contribuições de Rolf Hecker, que a contribuição de Engels para o segundo tomo de O Capital se distancia bastante das anotações deixadas por Marx. Porém, como Tarcus observa, em sua intervenção, já em vida de Marx é preciso refletir sobre as múltiplas versões de O Capital, o que se explica pelas traduções/versões realizadas sobre um texto complexo, escrito originalmente em alemão, mas também pela intenção de se atingir a um largo público. Finalmente, vida e obra se articulam. Marx, na medida em que refletia sobre sua própria obra, após a publicação do primeiro tomo, cuidava, ele mesmo de a rever em um trabalho contínuo.
Da esquerda para a direita: Horacio Tarcus, Jorge Grespan, Rolf Hecker, Carl-Erich Vollgraf |
Horacio Tarcus - anotações de viagem
Horacio Tarcus e, ao fundo, Eduardo S. Cunha, na Biblioteca Edgard Carone, em Itu. |
No Cedem, o Centro de Memória da Unesp, que guarda um dos mais importantes acervos da história da esquerda no Brasil, ele pode conferir o acervo de Astrojildo Pereira, dentre papeis de outros militantes brasileiros.
Seu interesse em conhecer o Cedem é antigo, dado o contato estreito de Tarcus com alguns estudiosos e militantes nacionais, especialmente, com a obra de Edgard Carone, o primeiro a levantar questões sobre a trajetória editorial dos textos marxistas e da literatura do movimento operário no Brasil.
Na verdade, Carone traz do Asmob, ou seja, da mesma coleção hoje guardada pelo Cedem, mas que nos anos de chumbo se encontrava em Milão, documentos que lhe permitiram reconstituir as ações editoriais de Astrojildo Pereira, nos tempos da fundação do PCB (1922). Esse material precioso abriu novos caminhos para o estudo do marxismo e das culturas de esquerda pela via editorial. Considerando a importância do Cedem, espera-se que o problema da falta de funcionários e o silêncio de sua diretora, que não respondeu ao nosso chamado, seja logo resolvido. Não fosse uma missão entre amigos e o interesse em apresentar a instituição ao nosso parceiro portenho, seu desejo não teria se realizado.
Elisabete Marin Ribas e Horacio Tarcus - Arquivo do IEB |
O Arquivo IEB USP surgiu em 1968, integrado à Biblioteca. A partir de 1974, com a chegada de sucessivos arquivos pessoais, o crescimento do acervo motivou seu estabelecimento como setor independente. Com o objetivo de receber, organizar, preservar e divulgar seus documentos, visando oferecer fontes primárias para pesquisas das mais diversas áreas, o Arquivo IEB atualmente reúne cerca de 500 mil documentos.
O acervo custodiado pelo Arquivo do IEB é fonte de pesquisas para brasileiros e estrangeiros, além de subsidiarem publicações e exposições de grande público pelo país e no exterior.
Dentro de seu precioso acervo encontram-se os arquivos pessoas de: Anitta Malfati, Aracy Abreu Amaral, Caio Prado Jr., Camargo Guarnieri, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, Mário de Andrade, Milton Santos, entre muitos outros.
A semana terminou com uma longa e agradável visita a Itu, onde se encontram depositados a biblioteca e o arquivo do historiador brasileiro Edgard Carone (1923-2003), que atuou como professor titular do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
O acervo legado inclui raríssimos volumes publicados na primeira metade do século 20, obras de pensadores marxistas como Antonio Gramsci, Vladimir Lenin, Rosa Luxemburgo e Leon Trótski e as edições brasileiras do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels.
O acervo legado inclui raríssimos volumes publicados na primeira metade do século 20, obras de pensadores marxistas como Antonio Gramsci, Vladimir Lenin, Rosa Luxemburgo e Leon Trótski e as edições brasileiras do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels.
A “joia da coroa” da biblioteca talvez seja a primeira edição francesa de O Capital, de Marx, responsável pela difusão do pensamento marxista na Europa, no século 19 – um volume que pertenceu a um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Astrojildo Pereira, em 1922.
Mas, como podemos ver na fotografia acima, o que mais interessou ao nosso convidado e, certamente, será motivo de seu retorno, foi a profusão de panfletos e opúsculos anarquistas, socialistas e comunistas que a biblioteca guarda. As primeiras edições brasileiras de O Manifesto Comunista constitui uma das riquezas do acervo.
Estuda-se, agora, a assinatura de um convênio entre a USP e a UNISAM, com a finalidade de aproximar pesquisadores, bibliotecários e arquivistas para a troca de informações, mas também de experiências em bibliotecas e fundos dessa natureza. A equipe de Itu, lideradara pela Profa. Maria Aparecida Borrego e pelos bibliotecários José Renato e Alzira ficaram particularmente animados com essa ideia.
Hasta luego, Tarcus!
Brevíssima nota sobre as primeiras edições de Das Kapital
A
primeira edição do volume primeiro de O
Capital apareceu em Hamburgo, em 1867, com uma tiragem de mil exemplares.
Uma segunda edição, publicada em fascículos e revista pelo autor, viria a ser
publicada entre junho de 1872 e maio de 1873. Em 1883, uma edição póstuma foi
publicada sob a responsabilidade de Engels, com os acréscimos e correções
baseados em notas manuscritas do autor e de duas edições anteriores: a segunda
alemã e a primeira francesa. Uma edição
“definitiva”, pelo menos aquela que nortearia novos estudos e traduções ao
longo do século XX, viria a lume em 1890, com alguns novos acréscimos de Engels,
tirados, sobretudo, da edição inglesa traduzida por Edward Aveling e Samuel
Moore.
A
edição francesa é especialmente importante, porque foi a partir dela que muitos
leitores do mundo ocidental tiveram acesso ao texto de Marx.
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