Angela-Lago, uma homenagem tardia
Angela-Lago, cuja assinatura nos livros tem nome e sobrenome ligados por um hífen, nos deixou em outubro de 2017. Nesses tempos ela morava nos sertões das gerais e faleceu na capital, Belo Horizonte.Não a conheci pessoalmente. Nosso diálogo se deu através dos livros. Às vezes eu penso que Angela-Lago nunca existiu como uma figura de carne e osso como nós. Seus trabalhos me fazem pensar que ela transcendeu a matéria desde sempre.
Nesses dias, folheando algumas de suas muitas e incríveis publicações, eu me dei conta do quanto o seu trabalho explora a materialidade do livro. E do quanto essa exploração faz de cada um de seus livros um universo expressivo, onde capa, miolo, papel, tipografia, ilustração, encarte, cinta, encadernação, formato, cores, fitilhos, enfim, onde todos os elementos que compõem a anatomia do livro aparecem combinados. Mais do isso, esses elementos comunicam.
Eu tenho insistido com meus alunos de graduação e pós-graduação nesse aspecto pouco explorado na academia que é o do “livro como forma expressiva”. A fórmula vem emprestada de um bibliógrafo neozelandês, D. F. McKenzie, que atuou toda a sua vida na Inglaterra, onde se graduou e apresentou importantes contribuições à ciência bibliográfica. Talvez a mais importante tenha nascido justamente do seu incômodo com relação ao formalismo acadêmico com que a disciplina bibliográfica era tratada. O que certamente a distanciava de outros campos de estudos das Humanidades.
Mas quando folheamos e lemos os livros publicados por Angela-Lago, todos esses elementos textuais, que vão da matéria à escrita textual propriamente dita, têm uma relação orgânica tão forte, que podemos até mesmo dizer que os livros de Angela-Lago são lidos com os olhos, com os lábios, com o nariz e com as mãos.
É o que acontece com O Livro de Horas, que apresenta a tradução livre de 24 poemas de Emily Dickinson. Dir-se-ia, um belo códice impresso e iluminado. Os motivos das iluminuras certamente foram inspirados nos códices manuscritos dos séculos XIV e XV, quando a arte de ilustrar ofereceu aos livros ramos de folhagens delicados, ornados em ouro, lápis-lazúli e rubi, entre tantas outras preciosidades. Mas também como fotografias de paisagens que dialogam com os textos. E as horas são demarcadas por estados de espírito inspirados na escrita da poeta norte-americana Emily Dickinson.
Para terminar essa homenagem tardia, registro uma passagem, “Para a Hora da Paixão”:
Diminutos rios – dóceis a algum mar azul
Meu Cáspio – tu.
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