Octávio Brandão nasceu em 1896, na cidade de Viçosa, estado das Alagoas. Órfão de pai e mãe, foi criado pelo tio, fez os primeiros estudos em Maceió, diplomou-se pela Escola de Farmácia do Recife, abriu uma botica em sua terra natal e, ainda nesses tempos de formação, iniciou sua trajetória de militância no anarquismo, para logo ingressar no recém-fundado PCB (1922). Teve vida longa para os padrões e as condições de um homem de esquerda que dividiu boa parte de sua existência entre a clandestinidade e o exílio. Na URSS viajou muito e proferiu palestras sobre seu país. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1980, no ostracismo, como tantos outros militantes de sua geração que vivenciaram a débâclede um mundo cindido pela Guerra de 1939-1945, e os regimes ditatoriais no Brasil.
O livro de Felipe Lacerda não constitui propriamente uma biografia de Octávio Brandão, embora os traços do indivíduo e suas motivações pessoais tenham desempenhado um papel importante nessa composição. Tampouco se trata de um balanço historiográfico, que pretende confrontar as memórias de um militante com os escritos que sobre ele se fizeram. É verdade que nesse aspecto o autor assume, logo de partida, seu ponto de vista: inútil projetar exclusivamente sobre o indivíduo os possíveis erros, os silêncios e as inquietações que apenas o tempo pôde esclarecer para as gerações vindouras. Afinal, já ensinara Lucien Febvre em sua exemplar biografia de Martinho Lutero: “o estilo não é apenas o homem, mas toda a sua época”.
A escrita do livro não se deu sem percalços, tal foi a dificuldade que teve o autor de equacionar problemas tão delicados, cujas fronteiras estão longe de se definir: a primeira, já assinalada, diz respeito à relação entre o homem e o mundo, vale dizer, entre as aspirações individuais e aquilo que se convencionou chamar, não sem críticas, de “espírito do tempo”; além disso, como apreender no tecido intrincado de referências bibliográficas construídas, não raro de forma irrefletida, as matrizes intelectuais de um pensamento que se forma por camadas e em tempos sincrônicos ? Finalmente, em que medida o estudo das matrizes intelectuais de um militante pode dar conta do “estilo de toda uma época”?
Diante de problemas aparentemente insolúveis, sói recorrer às fontes, repisar terrenos já batidos por outros investigadores e, fundamentalmente, buscar com atenção aquilo que escapou aos olhos de boa parte da intelectualidade comunista. Felipe Lacerda nos convida a ler Canais e Lagoas, a investigar o programa do curso da Escola de Farmácia do Recife, a averiguar o que circulava pela imprensa, a observar os livros que passavam por entre essa gente simples, porém, intelectualizada. Era preciso, outrossim, prestar atenção às referências inscritas nos livros de memórias e, se possível, cotejá-las com os títulos e os autores gravados nos jornais e nas revistas do período.
Assim os traços do indivíduo ganham corpo nesse jogo dialético que se estabelece entre as condições materiais da militância e as matrizes culturais do indivíduo. Os traços distintivos se apresentam em algumas passagens brilhantes, em que o autor analisa, por exemplo, a postura de Octávio Brandão frente aos dirigentes do Komintern ou de delegados estrangeiros. A própria estrutura do texto diz muito das escolhas e das leituras que inspiram esse livro: o primeiro capítulo se volta para a problemática das livrarias, editoras, instituições de leitura, enfim, da infraestrutura e dos circuitos editoriais voltados para a militância; em seguida, o autor investiga os caminhos e dos repertórios bibliográficos dos comunistas nos anos 20; apenas no último capítulo um amálgama de culturas e referências emerge como expressões ou “visões do Brasil”, para conformar aquilo que o autor assume como o “itinerário intelectual de Octávio Brandão”.
Mas ocorre que, na década de 1920, Octávio Brandão não será apenas o estudioso interessado e o militante comprometido. No PCB ele se notabiliza como um intelectual de vanguarda, deve mobilizar a classe operária, comandar a agitprop. “Reconhecer o terreno e preparar as trincheiras por meio da ‘batalha das ideias’”, não é tarefa para o indivíduo, mas para o dirigente do Partido Comunista do Brasil. É nesse ponto que a relação logo estabelecida entre o todo e as partes ganha peso metodológico e a análise alça vôo próprio.
Trocando em miúdos, Octávio Brandão e as matrizes intelectuais do marxismo no Brasil (1919-1929) se volta para o tempo concentrado das primeiras leituras e das primeiras ações de um grande homem, cujas aspirações se converteram nos projetos de um grupo de militantes e de leitores que inauguraram o primeiro partido comunista brasileiro. Parafraseando Febvre em suas reflexões sobre Lutero, temos aqui não uma melodia, mas uma bela composição polifônica.
Trocando em miúdos, Octávio Brandão e as matrizes intelectuais do marxismo no Brasil (1919-1929) se volta para o tempo concentrado das primeiras leituras e das primeiras ações de um grande homem, cujas aspirações se converteram nos projetos de um grupo de militantes e de leitores que inauguraram o primeiro partido comunista brasileiro. Parafraseando Febvre em suas reflexões sobre Lutero, temos aqui não uma melodia, mas uma bela composição polifônica.
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