Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Aníbal Bragança (1944-2022): Amigo do Livro e Criador do Lihed

 François Botrel e Aníbal Bragança. Ele exibe o belo cartaz 
do II Seminário do Lihed, em 2009.

No prólogo à segunda edição de seu A Livraria Ideal. Do Cordel à Bibliofilia (Edusp, Com-Arte, 2009), escreve Aníbal Bragança:

Assim, as alegrias que trouxe ao autor, ao inspirar trabalhos realizados em outras cidades brasileiras e ao ser indicado em cursos de pós-graduação como um modelo possível para teses na área do livro e da leitura, além da boa acolhida da crítica e, em especial, o ter sido incluído pelo jornalista, político e bibliófilo Márcio Moreira Alves na lista dos melhores livros do ano (2000), podem agora retornar a você nesta leitura que inicia e que esperamos seja prazerosa". 

Essa breve passagem diz muito sobre as qualidades do historiador do livro, livreiro e editor, ou melhor, sobre o amigo do livro Aníbal Bragança: inspirador, pois sua passagem pela academia foi fundamental para a demarcação do campo de pesquisa em história do livro, da edição e da leitura; generoso, pois esteve sempre aberto ao diálogo, à troca, particularmente com os pesquisadores jovens, que apenas iniciavam sua jornada. 

Conheci Aníbal Bragança na Unicamp, por ocasião do II Congresso da História do Livro e da Leitura no Brasil. Era o ano de 2003 e eu já avançava nas pesquisas sobre a história da livraria Garraux. No entanto, por uma razão que me escapa à memória, eu apresentei uma comunicação sobre o tipógrafo-livreiro Pierre Seignot-Planchet. Tenho comigo o programa do congresso e a anotação manuscrita: Prof. Aníbal Bragança (mediação). Este foi o início de um diálogo prazeroso, que se estendeu por muitos anos. Enquanto eu redigia a tese, ele lia trechos de capítulos e os comentava, pacientemente e muito gentilmente, tentando sempre estimular uma pesquisadora afoita pelas grandes conclusões, não raro descuidando-se do caminho argumentativo. 

Em 2004 aconteceu o I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial, entre 8 e 11 de novembro, no Rio de Janeiro. Um mundo novo se abriu naqueles dias passados na Casa de Rui Barbosa. O encontro com or professores franceses, brasileiros, portugueses, latino-americanos, as conversas sempre ricas e muito agradáveis na cafeteria da Fundação ou em seu belo jardim. Pesquisas novas que iam desvelando tantos aspectos de uma História do Livro e da Edição que mal se consolidava...  justamente porque Aníbal Bragança estava lá, a acolher a todos com seu sorriso largo e seus olhos profundos, de um azul a perder de vista. Ali fiz amizades duradouras e vivi intensamente o prelúdio de um campo de investigação que jamais abandonaria. 

Os encontros do Lihed reuniam pesquisadores acadêmicos e profissionais do livro. Aqui temos
Aníbal Bragança entre (da esquerda para a direita): Carlos Silvestre Mônaco, Israel Pedrosa, Plinio Martins Filho e Milena Piraccini-Duchiade (II Lihed, 2009).

Aníbal retornou ao campo, agora, com um Lihed mais estruturado em 2009, quando o II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial foi realizado, de 11 a 15 de maio, na Fundação Biblioteca Nacional e na Universidade Federal Fluminense. Naquela ocasião era evidente o crescimento das pesquisas na área, da mesma forma que seu grande projeto, a saber, a consolidação do arquivo sobre Francisco Alves (1848-2017). Para celebrar esta vitória, o livreiro-editor de origem portuguesa, que conquistara o Rio de Janeiro e o Brasil, mereceu uma bela exposição na Academia Brasileira de Letras. Notemos que o Seminário do Lihed promovia, além da boa cordialidade e a conversa entre colegas, a oportunidade de visitarmos instituições-chaves da história dos livros, da vida intelectual, literária e cultural da antiga capital brasileira. Tudo isso porque Aníbal Francisco Alves Bragança, também um português que consquistara o Rio de Janeiro, a partir de Niterói e, logo, o Brasil, tinha esse arrojo e, ao mesmo tempo, muita sensibilidade para compreender o verdadeiro espírito dos encontros acadêmicos. Aprendemos muito nas seções de trabalhos, mas o aprendizado continua além, nas trocas dos corredores e nas andanças pela cidade das letras. 

Aníbal Bragança viria, ainda, coordenar a seção de publicações da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, onde lançamos o primeiro número da Revista Livro, do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição - NELE-USP, em maio de 2011. Outras atividades continuaram a acontecer na FBN, sob a coordenação de nosso anfitrião benfazejo, o que reduziu imensamente a ponte Rio-São Paulo. Depois veio o reencontro com a edição, como diretor da Editora da Universidade Federal Fluminense. Aqui, devemos lembrar que ele gostava de narrar sua primeira aventura editorial, quando publicou O Estado e a Revolução, em Niterói, nos anos de chumbo. A aventura certamente seríssima e justa lhe custou a prisão. 

Sua última publicação foi, justamente, O Rei do Livro. Francisco Alves na História do Livro e da Leitura no Brasil (Edusp, Lihed, 2016). Obra coletiva, que reuniu as contribuições apresentadas no Lihed, em 2009. O epíteto, destinado ao livreiro-editor que conquistara o Brasil, bem serviria ao nosso amigo. Sim, Rei do Livro. Livreiro-editor de Niterói; professor universitário; pesquisador; diretor dos encotros mais importantes em nosso campo de estudos; presença cativa na Intercom, onde ajudou a fortalecer os estudos sobre o livro e a edição, tornando-se uma inspiração nacional; vencedor do Prêmio Jabuti, área Comunicação, pela obra coletiva Impresso no Brasil, Dois Século de Livros Brasileiros (FBN, Edunesp, 2010); e estudioso apaixonado por Frei Velloso, o diretor da célebre Typographia do Arco do Cego, por sua atuação visionária na virada do século XVIII para o XIX.


Nosso último encontro aconteceu em 2021, via Zoom, em um colóquio organizado pela Univerdade de Coimbra. Discorremos sobre o mesmo tema: as editoras universitárias no Brasil. Apesar de seu habitual bom humor, era difícil esconder o desânimo frente as dificuldades de fazer os livros editados pelas univerisdades chegar até o público. Além disso, o Brasil, o mundo, a pandemia, o distanciamento social, enfim, tudo concorria para uma mudança total de perspectiva, sobretudo quando olhávamos os anos felizes dos primeiros encontros no alvorecer do novo milênio. 

Na Université de Versailles Saint Quentin en Ivelines, em 2010.

Aniíbal Bragança descortinou um mundo totalmente novo e prometedor para mim. Por meio dele fiz muitos amigos e li muitos livros novos. De Campinas a São Paulo; do Rio de Janeiro a Niterói... e dali para Paris... foram muitos os percursos, de modo que esse grande amigo do livro deixará muitas saudades. 


 

 

2 comentários:

  1. Bela homenagem, Marisa, me reúno às tuas palavras. Aníbal Braganc foi tudo isso e mais um pouco. Responsável por um legado que terá, com certeza continuidade àqueles que amam e pesquisam o campo do livro.Um privilégio ter podido conviver com ele. Amável em suas observações era também um agregador de pessoas, por meio dele conheci Ana Elisa Ribeiro, por exemplo. Além disso, o LIHED ficou na história editorial, mas o inesquecível de espaço de discussão é troca.

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