Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

quarta-feira, 13 de março de 2013

Sobre Livros - E Vinhos


Entre Livros e Vinhos

Diz-se que os primeiros prelos foram desenvolvidos com base nos princípios mecânicos das prensas de uva. O aparecimento da tipografia, em meados do século XV, exigiria ainda o aproveitamento de outras técnicas desenvolvidas nas corporações da velha Europa. Assim o domínio sobre a carpintaria, necessário para a construção das primitivas engenhocas; ou os conhecimentos no campo da metalurgia, dos quais resultou a obtenção da liga de metal apropriada para a fundição dos tipos; ou, ainda, o controle sobre a arte da ourivesaria, posto que apenas pelas mãos de um ourives poderiam ser burilados muitos dos caracteres cujos traços sobrevivem até nossos dias.
Entre os séculos XV e XVIII houve apenas alterações circunstanciais nos processos de composição e de impressão. Com efeito, não há objeto que dialogue mais com a tradição diante das inovações possíveis de cada época do que o livro. Do ponto de vista da produção do conhecimento sobre o processo gráfico e, de modo mais pontual, sobre a história do livro, observa-se que ao longo desses três primeiros séculos houve um acúmulo de registros dos trabalhos de mestres impressores, de gravadores, de papeleiros, de encadernadores, ao que se somam, é claro, os testemunhos dos próprios livros. Mas os primeiros estudos sobre o “objeto” livro vieram a lume apenas no curso do século XIX, quando aqueles registros passaram a ser catalogados, sistematizados e analisados por alguns eruditos que se voltaram para o campo específico da bibliologia. A visão do livro como um constructo da humanidade, portanto, passível de ser analisado sob uma perspectiva histórica, sociológica, literária, ou ainda multidisciplinar constitui um fato contemporâneo.

D. Quixote, por Gustave Dorée
Destarte, as aproximações entre a história editorial e aquela voltada para as práticas e representações da leitura abriram uma nova vertente de estudos, consolidando, enfim, a vocação multidisciplinar das pesquisas sobre o livro. Às questões triviais e nem por isso prescindíveis das tradicionais enquetes: Lê-se muito? Lê-se pouco? O que se lê? Quem lê?, somam-se perguntas atinentes à configuração do mercado editorial e ao comprometimento de editores, bibliotecários, livreiros e, se pensarmos mais além, dos prórios designers de livros no processo de formação do leitor.
Pois, retomando nossa idéia inicial, se nas suas origens a construção do livro derivou, em parte, dos mecanismos das prensas de uvas, a partir das quais fabricavam-se os vinhos, esse curioso encontro, o dos livros e dos vinhos no despertar da modernidade merece alguma reflexão. Um e outro conformam-se como alimento do corpo e da alma. E para aqueles que estão verdadeiramente preocupados com o grau de consumo tanto de livros quanto de vinhos, o sábio Cervantes já havia dado sua resposta. Pior do que o consumo em exagero é a sua abstinência. Esta, sim, havia conduzido o probre Quixote ao desvario.

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