Entre Livros e Vinhos
Diz-se que os primeiros prelos foram desenvolvidos com base nos princípios mecânicos das prensas de uva. O aparecimento da tipografia, em meados do século XV, exigiria ainda o aproveitamento de outras técnicas desenvolvidas nas corporações da velha Europa. Assim o domínio sobre a carpintaria, necessário para a construção das primitivas engenhocas; ou os conhecimentos no campo da metalurgia, dos quais resultou a obtenção da liga de metal apropriada para a fundição dos tipos; ou, ainda, o controle sobre a arte da ourivesaria, posto que apenas pelas mãos de um ourives poderiam ser burilados muitos dos caracteres cujos traços sobrevivem até nossos dias.Entre os séculos XV e XVIII houve apenas alterações circunstanciais nos processos de composição e de impressão. Com efeito, não há objeto que dialogue mais com a tradição diante das inovações possíveis de cada época do que o livro. Do ponto de vista da produção do conhecimento sobre o processo gráfico e, de modo mais pontual, sobre a história do livro, observa-se que ao longo desses três primeiros séculos houve um acúmulo de registros dos trabalhos de mestres impressores, de gravadores, de papeleiros, de encadernadores, ao que se somam, é claro, os testemunhos dos próprios livros. Mas os primeiros estudos sobre o “objeto” livro vieram a lume apenas no curso do século XIX, quando aqueles registros passaram a ser catalogados, sistematizados e analisados por alguns eruditos que se voltaram para o campo específico da bibliologia. A visão do livro como um constructo da humanidade, portanto, passível de ser analisado sob uma perspectiva histórica, sociológica, literária, ou ainda multidisciplinar constitui um fato contemporâneo.
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D. Quixote, por Gustave Dorée |
Pois, retomando nossa idéia inicial, se nas suas origens a construção do livro derivou, em parte, dos mecanismos das prensas de uvas, a partir das quais fabricavam-se os vinhos, esse curioso encontro, o dos livros e dos vinhos no despertar da modernidade merece alguma reflexão. Um e outro conformam-se como alimento do corpo e da alma. E para aqueles que estão verdadeiramente preocupados com o grau de consumo tanto de livros quanto de vinhos, o sábio Cervantes já havia dado sua resposta. Pior do que o consumo em exagero é a sua abstinência. Esta, sim, havia conduzido o probre Quixote ao desvario.
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