Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

sábado, 6 de abril de 2013

Sobre Livros - A Kommunista Párt Kiáltványa por Frans Masereel


Livro e Arte em sua Expressão Absoluta

Dedico este artigo a István Monok que me presenteou com esta pequena jóia bibliográfica

Operário busca compreender a sua história e seu lugar na sociedade.
Gravura de Frans Masereel para a edição de A Kommunista Párt Kiáltványa
Raros são os estudos voltados para as edições do Manifesto Comunista, em uma perspectiva nacional ou internacional.
Nesse sentido, o levantamento de Bert Andreas, Le Manifeste Communiste de Marx et Engels: Histoire et Historiographie (1848-1918), publicado por Feltrinelli, em 1963 - edição rara, motivo de muita cobiça entre os marxistas, amantes do livro - mantém-se insuperável, a um só tempo como obra de referência e modelo de pesquisa sobre a temática. No Brasil, esforço semelhante de mapeamento e análise das condições de edição e difusão deste símbolo da classe trabalhadora, escrito por Marx e Engels, em 1848, foi realizado pelo historiador Edgard Carone, também ele bibliófilo e amante dos livros.
Página dupla com gravura e texto de
A Kommunista Párt Kiáltványa.
O levantamento de Bert Andreas se limita às edições publicadas nos contextos da Primeira Guerra e da Revolução Russa, pois se trata, com efeito, de conhecer o alcance do Manifesto desde suas origens até o momento de consolidação da luta do proletariado em 1917. Seria, contudo, interessante compreender em que medida a ação do PCUS, do Instituto Marx e Engels de Moscou e dos partidos comunistas organizados em todo o mundo concorreram para a multiplicação de edições do Manifesto. Dada a dificuldade de um catálogo internacional das edições deste documento que se tornou o vade mecum de todo comunista, as investigações adquiriram uma colocação nacional, tendo a organização dos PCs como ponto de partida. Pelo menos é nesse sentido que Edgard Carone organiza suas investigações sobre o que o autor considera como a “problemática da literatura operária”.
O volume de 7,3 x 11,3 cm
cabe na palma da mão.
Uma edição, contudo, torna-se notável, menos por sua circulação entre os leitores comunistas do que por seus atributos materiais. É verdade que a questão do público a que se destina esta edição importa muito, bastando considerar que se trata de um pequeno volume do Manifesto Comunista vertido para o húngaro, o qual era distribuído para as autoridades em visita ao país. Todavia, o livro fora impresso e encadernado na República Democrática Alemã, em 1973. O volume do qual nos ocupados data de 1975. Saltam as vistas os caracteres formais desta edição. A composição é elegante e a impressão bem cuidada. O volume apresenta encadernação em marroquim, com moldura em relevo e apenas uma linha dourada no lombo, o que não deixa dúvidas sobre o bom gosto e a delicadeza do projeto. O corte é tingido em vermelho apenas na cabeça do livro. O papel é apergaminhado, com vergaturas que lhe dão um aspecto rústico. O conjunto se torna ainda mais harmonioso com o emprego de uma guarda estampada com manuscrito vazado em fundo vermelho. Enfim, todos os caracteres convidam à sofisticação deste volume.
Mas o que dignifica a presente edição de A Kommunista Párt Kiáltványa são as gravuras que ilustram o texto. Dizer ilustrar é muito pouco para o trabalho deste grande mestre da narrativa que foi Frans Masereel (1889-1972). Pode-se mesmo dizer que as xilogravuras que acompanham o texto contam por si a luta da classe operária.
"A modern államhatalom nem más, mint az egész burzsoá osztály kösös ügyeit igazgató bizottság". 
Frans Masereel nasceu em Gand, cidade belga, voltada para o mar. Jovem, beneficiou-se das condições confortáveis oferecidas pelo ambiente burguês ao qual pertencia para se dedicar aos estudos das Belas Artes nas principais instituições europeias. Ingressou na Academia de Gand aos 18 anos e continuou sua formação em Paris e em Londres. A Primeira Guerra certamente significou um momento de ruptura e definição dos caminhos trilhados pelo artista. Die Passion Eines Menschen25 Holzschnitte, chef d’oeuvre de Frans Maserrel publicado em Munique, em 1918, marcou data na história da gravura. Thomas Mann se lembraria do livro dez anos mais tarde como a obra que mais o impressionara. As 25 Imagens da Paixão de um Homem fazem emergir a vida de um operário, do nascimento até os momentos finais da vida. “Paixão”, nesse sentido, é usado com todo o peso que a tradição cristã lhe conferiu: o sofrimento, a dor, as chagas de Cristo, neste contexto, mimetizam-se no sofrimento, na dor e nas chagas do operário. As marcas da Guerra e da sociedade industrial se definem nas grossas linhas negras do artista.
Essas mesmas linhas e a mesma temática do operariado serão retomadas na edição de A Kommunista Párt Kiáltványa. Onze gravuras acompanham o texto, dialogam com o texto, acentuam seu caráter dramático e, se isoladas, contam elas mesmas de forma heróica a luta da classe operária contra a burguesia. Notemos ainda que os traços, os gestos e a massa de edifícios, chaminés, multidões, enfim, todos os elementos que compõem o ambiente dos trabalhadores representados nas gravuras desta edição de 1973 dialogam diretamente com aquelas cenas marcantes gravadas no livro fundador, de 1918. Seria o caso de se perguntar se algumas matrizes daquela época não foram aproveitadas para o Manifesto, tal a aproximação das temáticas e as semelhanças do herói da narrativa. Ou, de forma oposta, se o livro composto na época da Guerra, se as Imagens da Paixão de um Homem não revelam a tomada de consciência de um burguês frente à débâcle dos valores de sua sociedade. Não teria ele se alimentado das mesmas leituras de crítica social, senão, das matrizes marxistas que movimentaram o mundo em 1917? As 25 gravuras da “paixão” não teriam sido o testemunho da consciência tomada a partir da leitura do Manifesto? As mesmas gravuras que agora enriquecem esta bela edição, sob a forma de um delicado missal, impresso em húngaro?
"Világ proletárjai, egyesüljetek!"
Deixemos as imagens contarem por si a saga do operariado no negrume impresso pelo artista. Por Frans Masereel, o mestre da expressão absoluta.

Fonte: Peter A. Beronä. Introd. Peter Kuper. Le Roman Graphique. Des Origines Aux Années 1950. Paris: La Martinière, 2009.
Karl Marx; Friedrich Engels. A Kommunista Párt Kiáltványa. Berlin: Dietz Verlag, 1975.

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