Livro e Arte em sua Expressão Absoluta
Dedico este artigo a István Monok que me presenteou com esta pequena jóia bibliográfica
Operário busca compreender a sua história e seu lugar na sociedade. Gravura de Frans Masereel para a edição de A Kommunista Párt Kiáltványa |
Nesse sentido, o levantamento de Bert Andreas, Le Manifeste Communiste de Marx et Engels: Histoire et Historiographie (1848-1918), publicado por Feltrinelli, em 1963 - edição rara, motivo de muita cobiça entre os marxistas, amantes do livro - mantém-se insuperável, a um só tempo como obra de referência e modelo de pesquisa sobre a temática. No Brasil, esforço semelhante de mapeamento e análise das condições de edição e difusão deste símbolo da classe trabalhadora, escrito por Marx e Engels, em 1848, foi realizado pelo historiador Edgard Carone, também ele bibliófilo e amante dos livros.
Uma edição, contudo, torna-se notável, menos por sua circulação entre os leitores comunistas do que por seus atributos materiais. É verdade que a questão do público a que se destina esta edição importa muito, bastando considerar que se trata de um pequeno volume do Manifesto Comunista vertido para o húngaro, o qual era distribuído para as autoridades em visita ao país. Todavia, o livro fora impresso e encadernado na República Democrática Alemã, em 1973. O volume do qual nos ocupados data de 1975. Saltam as vistas os caracteres formais desta edição. A composição é elegante e a impressão bem cuidada. O volume apresenta encadernação em marroquim, com moldura em relevo e apenas uma linha dourada no lombo, o que não deixa dúvidas sobre o bom gosto e a delicadeza do projeto. O corte é tingido em vermelho apenas na cabeça do livro. O papel é apergaminhado, com vergaturas que lhe dão um aspecto rústico. O conjunto se torna ainda mais harmonioso com o emprego de uma guarda estampada com manuscrito vazado em fundo vermelho. Enfim, todos os caracteres convidam à sofisticação deste volume.
Mas o que dignifica a presente edição de A Kommunista Párt Kiáltványa são as gravuras que ilustram o texto. Dizer ilustrar é muito pouco para o trabalho deste grande mestre da narrativa que foi Frans Masereel (1889-1972). Pode-se mesmo dizer que as xilogravuras que acompanham o texto contam por si a luta da classe operária.
Frans Masereel nasceu em Gand, cidade belga, voltada para o mar. Jovem, beneficiou-se das condições confortáveis oferecidas pelo ambiente burguês ao qual pertencia para se dedicar aos estudos das Belas Artes nas principais instituições europeias. Ingressou na Academia de Gand aos 18 anos e continuou sua formação em Paris e em Londres. A Primeira Guerra certamente significou um momento de ruptura e definição dos caminhos trilhados pelo artista. Die Passion Eines Menschen – 25 Holzschnitte, chef d’oeuvre de Frans Maserrel publicado em Munique, em 1918, marcou data na história da gravura. Thomas Mann se lembraria do livro dez anos mais tarde como a obra que mais o impressionara. As 25 Imagens da Paixão de um Homem fazem emergir a vida de um operário, do nascimento até os momentos finais da vida. “Paixão”, nesse sentido, é usado com todo o peso que a tradição cristã lhe conferiu: o sofrimento, a dor, as chagas de Cristo, neste contexto, mimetizam-se no sofrimento, na dor e nas chagas do operário. As marcas da Guerra e da sociedade industrial se definem nas grossas linhas negras do artista.
Página dupla com gravura e texto de A Kommunista Párt Kiáltványa. |
O levantamento de Bert Andreas se limita às edições publicadas nos contextos da Primeira Guerra e da Revolução Russa, pois se trata, com efeito, de conhecer o alcance do Manifesto desde suas origens até o momento de consolidação da luta do proletariado em 1917. Seria, contudo, interessante compreender em que medida a ação do PCUS, do Instituto Marx e Engels de Moscou e dos partidos comunistas organizados em todo o mundo concorreram para a multiplicação de edições do Manifesto. Dada a dificuldade de um catálogo internacional das edições deste documento que se tornou o vade mecum de todo comunista, as investigações adquiriram uma colocação nacional, tendo a organização dos PCs como ponto de partida. Pelo menos é nesse sentido que Edgard Carone organiza suas investigações sobre o que o autor considera como a “problemática da literatura operária”.
O volume de 7,3 x 11,3 cm cabe na palma da mão. |
Mas o que dignifica a presente edição de A Kommunista Párt Kiáltványa são as gravuras que ilustram o texto. Dizer ilustrar é muito pouco para o trabalho deste grande mestre da narrativa que foi Frans Masereel (1889-1972). Pode-se mesmo dizer que as xilogravuras que acompanham o texto contam por si a luta da classe operária.
"A modern államhatalom nem más, mint az egész burzsoá osztály kösös ügyeit igazgató bizottság". |
Essas mesmas linhas e a mesma temática do operariado serão retomadas na edição de A Kommunista Párt Kiáltványa. Onze gravuras acompanham o texto, dialogam com o texto, acentuam seu caráter dramático e, se isoladas, contam elas mesmas de forma heróica a luta da classe operária contra a burguesia. Notemos ainda que os traços, os gestos e a massa de edifícios, chaminés, multidões, enfim, todos os elementos que compõem o ambiente dos trabalhadores representados nas gravuras desta edição de 1973 dialogam diretamente com aquelas cenas marcantes gravadas no livro fundador, de 1918. Seria o caso de se perguntar se algumas matrizes daquela época não foram aproveitadas para o Manifesto, tal a aproximação das temáticas e as semelhanças do herói da narrativa. Ou, de forma oposta, se o livro composto na época da Guerra, se as Imagens da Paixão de um Homem não revelam a tomada de consciência de um burguês frente à débâcle dos valores de sua sociedade. Não teria ele se alimentado das mesmas leituras de crítica social, senão, das matrizes marxistas que movimentaram o mundo em 1917? As 25 gravuras da “paixão” não teriam sido o testemunho da consciência tomada a partir da leitura do Manifesto? As mesmas gravuras que agora enriquecem esta bela edição, sob a forma de um delicado missal, impresso em húngaro?
"Világ proletárjai, egyesüljetek!" |
Deixemos as imagens contarem por si a saga do operariado no negrume impresso pelo artista. Por Frans Masereel, o mestre da expressão absoluta.
Fonte: Peter A. Beronä. Introd. Peter Kuper. Le Roman Graphique. Des Origines Aux Années 1950. Paris: La Martinière, 2009.
Karl Marx; Friedrich Engels. A Kommunista Párt Kiáltványa. Berlin: Dietz Verlag, 1975.
Fonte: Peter A. Beronä. Introd. Peter Kuper. Le Roman Graphique. Des Origines Aux Années 1950. Paris: La Martinière, 2009.
Karl Marx; Friedrich Engels. A Kommunista Párt Kiáltványa. Berlin: Dietz Verlag, 1975.
Nenhum comentário:
Postar um comentário