Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Sobre Livros - Da Página Manuscrita à Página Impressa

Continuando o tópico anterior sobre a razão gráfica que preside a construção da página ...

Vista da cidade de Strasburgo (Argentina, em latim), tirada das Crônicas de Nuremberg, de Hartmann Schedel [Nuremberg: Anton Koberger, 1493]. Ninguém colocará em dúvida a genialidade da construção desta página,
cuja ilustração não só está em harmonia com o texto, mas dirige a distribuição do texto,
tomando como eixo a torre da catedral. Frédéric Barbier, L'Europe de Gutenberg. Paris: Belin, 2006, p129.
Se nossa atenção se volta para os diferentes processos que resultam em uma página impressa ou em uma obra arquitetônica, veremos que ambos não podem prescindir de um projeto. É o que vemos na Renascença italiana, quando emergem as “cidades ideais”. Segundo G. C. Argan reside nesta divisão de tarefas, a saber, a de pensar a cidade e a de torná-la exeqüível, o aparecimento de duas formas de trabalho: o reflexivo, as chamadas “artes liberais”, realizadas pelos intelectuais; e o manual, as “artes manuais”, realizadas por aqueles que as executam, os executivos.
Também fruto dos séculos de mutações que marcam o alvorecer da Época Moderna, a arte de impressão por meio de tipos móveis, ao se difundir no Velho Mundo a partir de meados do século XV, pressupôs nova forma de planejamento da escrita sobre a página. Não que os antigos escribas desconhecessem essa conduta. Os livros manuscritos que sobreviveram às intempéries do tempo testemunham os esforços por eles despendidos no sentido de organizar as palavras na superfície dos pergaminhos. Esforços que atentavam para os princípios estéticos e de legibilidade do texto, os quais se cristalizam na tradição tipográfica. Porém, a invenção dos tipos móveis exigia algo mais. Exigia o trato com as palavras por meio de instrumentos mecânicos. Talvez, nesse ponto, devamos reivindicar para os livros caracteres que os distinguem de outras manifestações artísticas, dentre elas a arquitetura, nesse contexto de nascimento das “artes liberais” e das “artes mecânicas” às quais alude G. C. Argan. Pois, antes de ter promovido a divisão do trabalho, a arte tipográfica promoveu, nos seus primórdios, a concentração de diferentes competências nas mãos de um só artífice.
A conhecida Biblia de 42 linhas, impressa por Gutenberg, em Mainz, por volta de 1450, constitui exemplo eloquente do uso de múltiplas artes a serviço de um projeto.  
Página de Bíblia de 42 linhas (B42) imprensa sobre pergaminho por Gutenberg,
em Mainz (Mogúncia, em latim), por volta de 1445. 

O esforço de produzir as matrizes em que se fundem os tipos, de moldá-los e burilá-los, termo que não poderia ser mais exato, considerando-se que tal tarefa se realizava com o auxílio de um instrumento pontiagudo denominado buril, ao que se seguem as tarefas de dispor os caracteres racionalmente em um caixa de composição, de distribuí-los, em seguida, no componedor, formando os primeiros rudimentos de texto, os quais devem ganhar sua forma final após executadas, uma a uma as fases de composição e impressão... Ora, esse longo percurso, realizado em pequenas oficinas, só poderia ser fruto do engenho e da capacidade artística daqueles primeiros artífices obstinados no aperfeiçoamento de seus ofícios.
É claro que os princípios de divisão do trabalho não demoraram a se sobrepor à imagem rotineira dos tipógrafos solitários. Também o processo de construção do livro esteve à mercê de uma série de aperfeiçoamentos. Douglas Mc. Murtrie situa o longo período de consolidação da “arte impressória” entre meados do século XVI e meados do XVIII. No século XIX até as primeiras décadas do século XX a produção do livro se viu diante de novos processos determinados pelo ritmo da indústria. Da produção de massa. 

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