Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Livro de Castilho Gomes aborda as leituras e os leitores no século de Cervantes

A Hora do Leitor... e da Leitora


Leitores e leitoras constituem o elo mais distante da cadeia produtiva do livro. Tanto para os autores quanto para os editores eles se situam numa zona nebulosa à qual todos pretendem aceder, embora poucos realizem com êxito esta busca. Podemos imaginar que os autores conversam com seus leitores imaginários no momento mesmo da criação de um texto. Da mesma maneira que os editores estabelecem um horizonte de possibilidades desde que tem em mãos os originais de um futuro livro. Não se trata de discutir o grau de apelo mercadológico que possui este ou aquele escrito, mas de assumir que um livro se completa quando é lido. Ou seja, quando se desmaterializa diante dos olhos de um leitor para se transformar em texto.
São portanto muito raras as chances de se identificar historicamente o momento e as formas como se dão esta metamorfose. E ainda mais inatingíveis as ocasiões em que o ato de ler se transforma em um registro histórico.

Livros e Leituras na Espanha do Século de Ouro, de Antonio Castillo Gómez (Ateliê Editorial) traz a luz as experiências pessoais e coletivas da leitura, bem como o comportamento dos sujeitos que leem e dos lugares onde o fazem. 

E, aspecto importante, não se trata de evidenciar apenas os que vivem rodeados de livros, mas também aqueles que pertencem a grupos sociais menos familiarizados com a cultura escrita, seja por estarem menos alfabetizados, seja pela marginalização provocada por certas políticas do material escrito, principalmente no que diz respeito às classes populares e às mulheres.
Dentre as fontes devassadas, parece clara a primazia dos processos inquisitoriais. Um mar de escrita que convida a novas interpretações, não apenas focadas nos sofrimentos das vítimas e no arrazoado que fez do Tribunal do Santo Ofício um edifício sólido construído no calor das paixões da Contrarreforma, mas no olhar compenetrado, centrado no indivíduo, nas suas fraquezas e nos seus devaneios. O que faz do capítulo destinado às leituras nos cárceres da Inquisição o momento mais marcante do volume que ora se apresenta. Afinal, se se abandonam os livros à condição subalterna de mediador, senão, de ponto de contato possível entre a leitura e a escrita, cujo sentido se constrói a posteriori, pela ação do indivíduo, não são raros os momentos em que a materialidade do livro protagoniza algumas das narrativas aqui traçadas. O livro que se guarda entre a camisa e a pele nas celas frias da prisão. Os livros que são impiedosamente queimados. Estas e outras passagens constituem exemplos notáveis e de rara poesia, o que torna a leitura deste volume não apenas prazerosa, mas necessária para se compreender o misticismo, as angústias, o brilhantismo e as contradições próprias do século de Cervantes.

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