Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Carrión, Contra Amazon (uma segunda edição ?)

Sucesso absoluto, a primeira edição de Contra a Amazon, publicada pela editora Elefante já se esgotou. Enquanto aguardamos uma nova fornada, eis uma breve apresentação do livro desse jovem globe trotter que vem conquistando os leitores e as leituras do Brasil. 

https://elefanteeditora.com.br/autores/jorge-carrion


O livro de Jorge Carrión foi traduzido por Reginaldo Pujol Filho e Tadeu Breda. A edição é muito bem-cuidada, com design impactante, para dizer o mínimo. Mesmo para uma leitora exigente, adepta da teoria da taça de cristal de Beatrice Warde, a composição do texto não atrapalha. Talvez, apenas, o excesso de notas explicativas ou, na verdade, a fonte das notas - excessivamente encomrpadas - crie alguns ruídos. Porém, estas questões são pequenas, se comparadas ao apuro com que todo o livro foi projetado. Não se pode, afinal, agradar a gregos e troianos.
Poder-se-ia mesmo dizer que todo o livro é um manifesto. Desde o design, como eu disse, passando pelos paratextos, que são muitos e demarcam a atualidade e o caráter emergencial do debate que o título-tema levanta, até o próprio texto-provocação de Carrión. 
O autor, aliás, é muito ousado, um globe trotter que fez das Livrarias, tema de seu livro inaugural aqui no Brasil, o assunto, o objeto e o lugar de visitação a ser lembrado, narrado e discutido.
Durante a leitura, uma pergunta não quer calar: as livrarias têm futuro?
No Brasil temos assistido à crise e, talvez, à falência de duas grandes redes. Além disso, após quase um ano de paralisia desencadeada pela pandemia do coronavírus, tornou-se urgente refletir sobre os modelos de negócio dos livros, particularmente na sempre frágil relação editor-público que se estabelece através do comércio varejista.
E a questão se torna ainda mais espinhosa quando, na verdade, o acesso ao livro pode ser feito da tela de nossos celulares. Lemos e compramos livros desse pequeno aparelho portátil que, para muitos, tornou-se extensão do próprio corpo.
Para Carrión há sete razões e um manifesto para se voltar contra a Amazon. Vejamos"
1. Porque não quero se cúmplice da expropriação simbólica; 2. Porque somos todos ciborgues, mas não robôs; 3. Porque repudio a hipocrisia; 4. Porque não quero ser cúmplice do neoimpério; 5. Porque não quero que me espiem enquanto leio; 6. Porque defendo a lentidão acelerada, a relativa proximidade; 7. Porque não sou ingênuo.
Não vou explicar cada uma dessas sentenças, mas parece evidente que o que se discute não é o comércio virtual de livros, mas o que o império Amazon, cujos livros talvez sejam apenas um pretexto, uma etiqueta, ou um requinte, de uma empresa que está muito longe de comportar o humanista simbólico de que são portadores os livros.
Esse manifesto ganha peso, na edição, quando a ele se somam outras vozes, apresentadas sob a forma de “Apêndices”. Neste espaço foram reunidos os escritos-manifestos de Ursula Guin, Ricardo Lombardi, Adalberto Ribeiro, Felipe Roth Faya, Alex Januário, Marcelo Finateli, Nani Rios, Guarany Oliveira Marques, enfim, uma galera enorme dedicada a relatar, a partir de suas experiências, a humanidade dos livros.
Nesse sentido, a iniciativa da editora Elefante se apresenta como um símbolo de resistência ou, para citar o subtítulo do livro, uma resistência em nome da “humanidade do livro”.
Segundo Carrión, quando se defende as livrarias físicas, não se está simplesmente negando o progresso tecnológico em nome de um saudosismo vazio. Talvez, ele queira nos chamar a atenção para um aspecto importante e que o mergulho das pessoas nas novas tecnologias parece esquecer – ha espaço para todas as manifestações e formas de vida. Tradição e inovação são faces de um mesmo díptico e todos ganham com a diversidade.
Não podemos ser ingênuos e acreditar que, após a revolução tecnológica na qual estamos todos imersos, tudo será como antes. Não!
Mas as revoluções deixam acesas nossas marcas do passado, nosso dna. Não vamos simplesmente destruir tudo e negar todo o passado sob a ilusão da normalidade.
A relação entre passado e futuro, tradição e inovação se evidencia em várias passagens do livro.
Carrión visita Seul e nos brinda com muitas descrições de livrarias que visitou nessa metrópole que, até ontem, era uma grande cidade poluída e barulhenta de um pais emergente. Hoje é uma metrópole poluída e barulhenta de uma potência tecnológica. 90% da população está conectada e a cidade não dorme com seus grandes painéis eletrônicos sempre acesos.

A capital da Coreia do Seul ostenta a maior livraria de toda a Ásia. Starfield Library se tornou um ponto turístico de visita obrigatória, anunciado nos principais sites para viajantes de todos os gostos.

Por trás desse grande parque em que a cultura multissecular do impresso convive com a lógica do espetáculo, em que público e privado se misturam, há um outro tipo de vida inteligente.
As livrarias também sobrevivem nas ruelas, nas galerias, em locais onde é possível pagar aluguéis um pouco mais generosos e fugir da atração devoradora dos grandes magazines que vendem moda, tecnologia e cosméticos.
Uma terceira opção? Sim. Vejam só: os livros podem estar acomodados em edifícios inteligentes e sofisticados, sob os auspícios da Hyundai Card – são livrarias-bibliotecas temáticas conectadas com o futuro.
Moral da história: pequenas livrarias guardam a personalidade de seus proprietários e cativam leitores e escritores pouco afeitos ao mundo do espetáculo promovido pela arquitetura futurista e brilhante da metrópole insone. Todavia, elas só podem sobreviver nos desvão da cidade. É onde a cultura pulsa. E a literatura projeta a imagem da Coreia para o mundo.
Há várias outras agradáveis surpresas no itinério que nos propõe o autor. Isso porque as livrarias se convertem, sob o olhar de Carrión, nesse sopro de humanidade que ainda nos resta...

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