Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Sobre Livros - Diálogo com as Formas

Corpo e Alma do Livro

Sobre os mistérios que guarda a forma do livro, muito se escreveu. Pensemos na própria “lei de Gregory”, relativa a um aspecto curioso, senão, miraculoso do livro. A dobra das folhas de pergaminho fazia tocar, invariavelmente, os mesmos lados da pele, donde a fórmula: “carne contra carne”, “flor contra flor”, esta última designando o toque da face exterior.


Esses muitos mistérios nos remetem à própria origem da forma livro e sua longa duração na história ocidental. Sabe-se que o códice, ou livro formado a partir da dobra e junção das folhas apareceu na Roma Antiga, no primeiro século de nossa era. Demorou pelo menos quatro séculos para superar o rolo, ou volumen, formato que nos parece hoje um tanto desajeitado, pois obriga o leitor – à semelhança do que faz diante da tela de seu notebook – a “correr” o texto no sentido vertical, num prolongado desenrolar da página.
Dentre as muitas hipóteses formuladas em torno da vitória do códice sobre o rolo, duas sortes de argumentos saltam às vistas: aquele que vincula o novo formato às práticas cristãs de leitura do Evangelho; e, no extremo oposto, a disseminação de seu uso entre leitores de literatura, ou seja, o códice voltado para a fruição das letras. Fixemo-nos neste último caso, ainda que pareçam tênues os limites entre os usos sagrado e profano do livro por nossos personagens.


Aquarela de Dante Rossetti (!828-1882)
Sabe-se que este mesmo formato conduziu à perdição Paolo Malatesta e Francesca da Rimini, no Canto V do Inferno de Dante. Enquanto liam o livro de Lancelote, este lhes fugiu das mãos no momento em que o cavalheiro beijava a rainha Ginevre. O beijo de um livro se prolongou n’outro e Dante se limitou a dizer que a leitura não foi adiante. Francesca apenas acrescenta que Paolo com “la bocca mi basciò tutto tremante”. O verso dispensa tradução, mas nós sabemos que aquela leitura provocou o ciúme e a violência mortal de Gianciotto, o marido traído. A punição do casal foi a de serem eternamente lançados pelo vento de suas paixões sem jamais se tocarem.
Como o corpo da pessoa amada, abrimos o livro e lhe acariciamos as páginas com emoção. É verdade que a exemplo dos “encontros” virtuais, existe a literatura sem o velho suporte de papel. E há quem a prefira. Mas é difícil acreditar que um beijo virtual seja melhor do que aquele que condenou Paolo e Francesca. As formas do amor são tantas quanto os modos de ler. Assim amor e livros guardam para si seus mistérios.

Escrito com a colaboração de Lincoln Secco e publicado em versão impressa na Revista Brasileiros - www.revistabrasileiros.com.br

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