Corpo e Alma do Livro
Sobre os mistérios que guarda a forma do livro, muito se escreveu. Pensemos na própria “lei de Gregory”, relativa a um aspecto curioso, senão, miraculoso do livro. A dobra das folhas de pergaminho fazia tocar, invariavelmente, os mesmos lados da pele, donde a fórmula: “carne contra carne”, “flor contra flor”, esta última designando o toque da face exterior.
Esses muitos mistérios nos remetem à própria origem da forma livro e sua longa duração na história ocidental. Sabe-se que o códice, ou livro formado a partir da dobra e junção das folhas apareceu na Roma Antiga, no primeiro século de nossa era. Demorou pelo menos quatro séculos para superar o rolo, ou volumen, formato que nos parece hoje um tanto desajeitado, pois obriga o leitor – à semelhança do que faz diante da tela de seu notebook – a “correr” o texto no sentido vertical, num prolongado desenrolar da página.
Dentre as muitas hipóteses formuladas em torno da vitória do códice sobre o rolo, duas sortes de argumentos saltam às vistas: aquele que vincula o novo formato às práticas cristãs de leitura do Evangelho; e, no extremo oposto, a disseminação de seu uso entre leitores de literatura, ou seja, o códice voltado para a fruição das letras. Fixemo-nos neste último caso, ainda que pareçam tênues os limites entre os usos sagrado e profano do livro por nossos personagens.
Aquarela de Dante Rossetti (!828-1882) |
Como o corpo da pessoa amada, abrimos o livro e lhe acariciamos as páginas com emoção. É verdade que a exemplo dos “encontros” virtuais, existe a literatura sem o velho suporte de papel. E há quem a prefira. Mas é difícil acreditar que um beijo virtual seja melhor do que aquele que condenou Paolo e Francesca. As formas do amor são tantas quanto os modos de ler. Assim amor e livros guardam para si seus mistérios.
Escrito com a colaboração de Lincoln Secco e publicado em versão impressa na Revista Brasileiros - www.revistabrasileiros.com.br
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