A consciência de que a letra impressa rouba ao autor o controle sobre o escrito moveu teóricos e profissionais do livro por longos séculos
Manuscrito de Petrarca http://www.citas-latinas.com.ar/2009/05/petrarca-y-el-humanismo.html |
A era inaugurada por Gutenberg (c.1398-1468) tornaria impraticável esta escolha. É bem verdade que apenas a nova ars impressoria pôde garantir à escrita, através da reprodução mecânica em série, regularidade e ampla difusão. Donde sua vitória sobre o manuscrito, processo que não se deu tranquilamente, tais foram as reservas que autores e leitores guardaram com relação à nova tecnologia. “Arte negra”, tomada pelo diabinho Tityvillus, que atentava revisores, compositores e impressores no processo de produção da letra impressa. Não falemos sobre as gralhas – erros tipográficos – que celebrizaram tantas edições princeps, as quais compõem todo um almanaque de curiosidades e de cobiças entre bibliófilos e bibliômanos.
Pensemos, antes, na figura do autor. Por fatalidade do destino ou fortuna, a maldição da letra impressa o fez refém da técnica, ao mesmo tempo que lhe rendeu honrarias e – quando muito afortunado – riquezas materiais.
Dom Quixote |
Num golpe certeiro, o cavaleiro se dá conta de que estão emendando uma Segunda Parte do Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha, “composta por um tal habitante de Tordesilhas”. Não a verdadeira, mas uma edição espúria:
Mario de Andrade (1893-1945) |
A consciência de que a letra impressa rouba ao autor o controle sobre o escrito moveu teóricos e profissionais do livro por longos séculos. Tem significados profundos, até a contemporaneidade. O debate em torno do direito autoral frente as novas tecnologias está na ordem do dia. No fundo, estamos às voltas com a velha questão do império da forma (ou do suporte) sobre o conteúdo. Mais vale pensar como Mario de Andrade (1893-1945), numa solução consoladora diante de um fato consumado. Escreve o autor à amiga Henriqueta Lisboa, em 10 de março de 1943: “É natural isso da gente cair num abatimento desiludido cada vez que publica um livro, eu sempre fico desolado quando enfim uma obra minha se converte a essa realidade brutal e castigadora de letra-de-forma”.
Artigo publicado em versão impressa e digital na Revista Brasileiros www.revistabrasileiros.com.br
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