Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Ouro de Tolo

Edições falsas, catálogos imaginários e a loucura dos livros tomam de assalto o mundo dos leilões de raridades... Vejam alguns casos.



No pequeno grande mundo da bibliofilia os leilões têm um papel fundamental na circulação e conservação de obras raras. Não é fácil adentrar nesse meio, pois como ocorre com objetos de arte, joias, carros antigos, artigos, enfim, que não se encontram em série no mercado aberto, a aquisição de livros exige astúcia, conhecimento e muita sensibilidade. Talvez o último atributo seja o mais raro e o mais estimado entre os colecionadores de livro.
Em O Bibliófilo Aprendiz, este clássico de Rubens Borba de Moraes, a arte de comprar nas livrarias especializadas é revelada em suas minúcias por quem entendia bem do assunto. Para adquirir raridades é preciso estar integrado aos grandes centros, ou seja, Paris, Londres, Genebra e Nova Iorque. Ter amigos livreiros conta muito, senão, é preciso manter um bom agente à espreita de raridades. O circuito exige um desembolso considerável, mas o dinheiro não é tudo! É nesse ponto que a narrativa de nosso mestre se torna mais curiosa. Afinal, mostra-nos o autor pela sucessão de exemplos vários, colhidos muito provavelmente de suas próprias experiências, que mais vale o faro do que uma boa soma no bolso. O bom mesmo, é quando um e outro andam juntos, mas isto nem sempre é possível. Como ele diz, uma biblioteca abarrotada de raridades, mas sem espírito, sem o engenho e a arte que lhe conferem uma unidade, senão, uma identidade, está fadada ao ostracismo. Torna-se, antes, objeto de decoração ao sabor dos novos ricos.
A literatura está particularmente recheada de casos extraordinários que envolvem o circuito de raridades. Bibliomania, de Gustave Flaubert, baseia-se na história de um livreiro catalão, cujo nome foi estampado na Gazeta dos Tribunais, em 1836, quando condenado à morte por seus crimes. A notícia correu o mundo e inspirou o jovem escritor, que à época contava com seus quinze anos, na escrita de um conto no qual a cobiça por raridades conduz o colecionador a práticas criminosas, até o assassinato. Em 1860 sai também na França o opúsculo de Charles Asselineau, sob o título O Inferno do Bibliófilo. A narrativa faz jus ao gênero de suspense, pois nos conduz a uma série de desenganos cometidos por um colecionador enlouquecido que sai a comprar toda sorte de livros nos leilões de Paris. Ridicularizado, humilhado, enganado e falido, nosso herói termina por colecionar uma série de engodos. Ouro de tolo... e nada mais.  Na década de 1840, surge a notícia de que a biblioteca de um certo conde de Fortsas seria leiloada. O catálogo da dita coleção foi distribuído com parcimônia, não mais do que 120 exemplos, talvez o suficiente para aguçar a curiosidade dos mais afoitos. E incautos. Pois tudo não passava de obra de ficção.
Um elemento em comum nas três narrativas consiste no limite tênue entre o real e a imaginação. O livreiro catalão – diga-se de passagem, ele cometera um crime por uma obra que não era única, como ele acreditava – não passou de uma blague publicada na gazeta francesa. Tão falsa quanto a narrativa de Asselineau. Da mesma maneira que o conde de Fortsas e sua richissimi biblioteca nunca existiram. Será?
E como nem tudo o que reluz é ouro, mais vale a cautela, diria o mestre Rubens Borba de Moraes. 

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