Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A Arte da Capa

Hollywood nas Produções Editoriais


Todas as imagens foram gentilmente cedidas por Ubiratan Machado para Livro,
Revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição, n.2, Cotia, Ateliê Editorial, 2012.

Quem foi Dorca?
Dorca é um mistério ainda não solucionado pela historiografia do livro. Foi Ubiratan Machado, um pesquisador do Rio de Janeiro, quem levantou essa questão.
Aliás, o próprio Ubiratan merece bem uma notícia aqui na nossa coluna.
Ubiratan é desses colecionadores natos. Eu não conheço seu apartamento, mas sei, pela notícia de outros bibliófilos, que o caríssimo Ubiratan Machado mora num apartamento forrado de livros por todas as paredes, pelo chão e, quiçá, pelos tetos também. Da sua coleção saíram algumas obras primas: uma História das Livrarias no Rio de Janeiro, publicada pela Ateliê Editorial e o belíssimo Etiquetas de Livros no Brasil, editado pela Edusp. Atualmente, ele está prestes a concluir outro precioso livro, desta vez, uma contribuição urgente e original para a história das capas brasileiras. Aguardem!
Mas, voltando à questão central, quem foi Dorca? O autor levantou este mistério há uns quatro anos (ver Revista Livro, n.2). Dorca assinou as capas de livros dos anos de 1940 e 1960. Nada foi encontrado para os anos de 1950. E ele assinou capas para editoras famosas, como a Martins, a Melhoramentos, a Companhia Editora Nacional, a Universitária, a Brasiliense, entre outras.
Das capas levantadas por Ubiratan Machado, destacam-se algumas preciosidades: no livro A Rua, de Ann Petry, da Companhia Editora Nacional, temos uma dessas imagens dignas de um bom filme noir. O observador registra o movimento das pessoas em um bar de esquina. Ele olha tudo do alto de sua janela, mas ninguém o vê. Ali ele registra alguns passantes. Há homens e mulheres. Eles usam chapéus. Elas ostentam vestidos bem justos em seus corpos esguios. Esses personagens são iluminados apenas pela luz do bar.

A mesma abordagem cinematográfica será retomada em Um vento de esperança, de Ondina Ferreira. Aqui, uma moça parece surpreendida com a ventania que abre uma grande porta acortinada. O que se vê é a luz que ficou do lado de fora e a sombra que seu corpo projeto ao divisar o portal que se abre diante de um salão escuro.
Na terceiro e última capa ilustrada por Dorca não se tem mais o jogo entre o claro e o escuro, que caracteriza as capas anteriores. Mas a referência cinematográfica não foi perdida. Não mais a do filme noir, mas a dos grandes épicos hollywoodianos. Esse é o caso d’O Romance de Teresa Bernard, assinado pela Sra. Leandro Dupré e publicado pela Editora Brasiliense. Uma beleza de pintura em tons pasteis, na qual a protagonista é apresentada em close up no primeiro plano da paisagem. Ela tem seu olhar pedido no infinito. Atrás, em segundo plano, vê-se o casarão no sopé do morro, circundado pela verdura do terreno, o qual, por sua vez, é entrecortado por um caminho estreito e sinuoso, por onde duas crianças correm com seu cachorrinho.
E se não sabemos quem foi Dorca, esses registros levantam uma questão importante sobre a história editorial brasileira no pós-Guerra, particularmente no que tange a arte do livro. Sabemos que nessa época a indústria cinematográfica norte-americana investe alto na internacionalização de seu mercado. É claro que eles vendem mais do que filmes para entretenimento, pois o que está em jogo, no contexto da Guerra Fria, é a difusão de valores, de modos de vida, em um só termo, a fixação de uma cultura como valor universal. E, como empresas culturais, as editoras também pegam carona nessa voga hollywoodiana que surge com força no Brasil.
É o que vemos nas edições de E o Vento Levou e de Doutor Jivago.
Estes são dois exemplos notáveis de sucessos editoriais alavancados pelo cinema. Todavia, os capistas não se restringem a ilustrar apenas os romances que eram transpostos em filme. A moda da capa ilustrada de acordo com os padrões cinematográficos, ou seja, com imagens ocupando toda a capa, o uso de perspectivas, de cores, de contrastes e de sombras, para citar os efeitos usados nos filmes noirs; ou, no caso dos épicos, o recurso ao close up focalizando a heroína da história, com uma paisagem de fundo, como na cena clássica de E o vento levou... tudo isso era motivo para o deleite dos leitores. E, claro, sendo a capa uma embalagem, o que o editor esperava, ao veicular esses livros, era vender sonhos... os mesmos sonhos que Hollywood vendia nas telas de cinema.
Todos esses elementos foram identificados nas capas assinadas por Dorca. Mas quem teria sido mesmo este artista?

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