O Arquivo do Estado de São Paulo, localizado em um sobrado antigo, na rua Rua Dona Antônia de Queirós, perto da Consolação, era endereço certo aos leitores da velha imprensa paulista. E, quando as coleções depositadas na capital não davam conta de nossa gã investigativa, a solução era partir para o Rio de Janeiro, na Biblioteca Nacional. Ocorre que, se em São Paulo havia a esperança de se folhear diretamente o jornal e a revista no papel, a hemeroteca da BN dispunha amiúde de todo material nos desajeitados microfilmes.
Hoje tudo pode ser resolvido no serviço prestado pela Hemeroteca Digital, da FBN, nesse maravilhoso mundo novo da Internet. O uso da Hemeroteca Digital tem até mesmo mudado a feição das pesquisas acadêmicas. Nunca houve tanto "recorte" e "cola" de anúncios, passagens de artigos jornalísticos, estatísticas de palavras-chaves, nomes de autores, títulos, levantamento de críticas, enfim, as ferramentas de busca desse mundo maravilhoso não apenas otimizou o tempo da pesquisa, antes, analógica, como mudou o comportamento do investigador, que parece também ter se tornado digital. Mas será que está tudo resolvido?
Algo deve ser dito, para o espanto, sobretudo, dos pesquisadores mais jovens: nem tudo está digitalizado!
Uma segunda ponderação, esta relativamente consensual entre os usuários das hemerotecas digitais - pois ao programa da FBN outros vêm somar esforços para a difusão da imprensa brasileira - diz respeito às falhas nas ferramentas de busca. Nem sempre os resultados são seguros e algumas palavras-chaves tornam impraticáveis as pesquisas.
Essas e outras questões tornam essenciais o conhecimento e a valorização dos acervos da imprensa brasileira e, no caso em tela, das coleções voltadas para as revistas brasileiras.
O Acervo de Revistas da BBM-USP e a Produção Inusitada das Revistas Cariocas, Capixabas e Curitibanas
A história da imprensa brasileira apresenta uma bibliografia bastante sólida de obras de síntese, a contar com Carlos Rizini, Hélio Vianna e Nelson Werneck Sodré. As pesquisas regionais ou locais não são menos importantes. No caso de São Paulo, devemos recordar do precioso levantamento precioso realizado por Laffayette de Toledo, em 1898, completado por Affonso de Freitas, em 1914. Alguns fac-símiles tiveram notável êxito para a nossa história. Pensemos na edição do Tamoyo (1823), publicado pela Zélio Valverde, para a Coleção Fac-Similar de Jornais Antigos, com prefácio de Caio Prado Jr. Ou, ainda, dos fac-símiles e de revistas ilustradas paulistanas, em edições cuidadosamente dirigdas por Ana Maria de Almeida Camargo, cujo acervo deveria, igualmente ser o mote de um seminário sobre colecionismo e história da imprensa.Embora importantes, a história da imprensa quedou, por um longo período, circunscrita em uma zona nebulosa, que escondia, no interior de uma galáxia de tipos, revistas, almanaques, jornais, folhetos, sem que houvesse a preocupação de dintinguir e dar a conhecer diferentes gêneros e suas múltiplas composições.
Nesse aspecto, as pesquisas que enfocam a produção de revistas em São Paulo são particularmente ricas e estimulantes. Uma primeira incursão exitosa nessa seara foi realizada por Heloísa de Faria Cruz. Logo mais, Ana Luiza Martins vinha engrossar o coro dos bravos persquisadores que perfilaram, sem o recurso das redes digitais, as revistas imprensas na São Paulo republicana. Para tanto, era preciso palmilhar a cidade, desde os arquivos mais evidentes, como os citados anteriormente, às coleções particulares. A curadora do seminário que a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin abriga na próxima terça-feira, conhece bem os desvãos de algumas dessas ilhas luminosas da nossa Pauliceia. O encontro enfecha as pesquisas por ela realizadas nos últimos anos, no âmibito do programa de pesquisador visitante da instituição.
Na primeira intervenção, a autora de Revistas em Revista apresenta uma reflexão sobre a coleção de revistas conservadas no acervo da BBM. Sem dúvida, um momento importante para se refletir sobre essa não raro difícil combinação ente objeto de pesquisa e os acervo.
À tarde, os desdobramentos e os desenvolvimentos das pesquisas se tornam mais evidentes. Se, num primeiro momento, era necessário inventariar, sistematizar e classificar os acervos de revistas, agora se trata de folhear esses materiais, perscrutar, de forma minuciosa, os temas e as técnicas que tornam possível a síntese de múltiplas artes, da escrita às expressões visuais.
Um exercício rico de história comparativa consiste em colocar lado a lado espaços geográficos distintos e as condições de produção de um mesmo gênero, digamos, jornalístico. Destarte, parece-nos extremamente oportuno conhecer, em profundidade, as revistas capixabas, segundo proposta de Letícia Pedruzzi Fonseca e o Brasil Ilustrado, objeto de análise de Tania Regina de Luca.
Em um momento particularmente sinistro, em que a ciência e a pesquisa são alvejados e desmerecidos pelo próprio presidente da república e seu fiel ministro da educação, é preciso dar voz aos pesquisadores e valorizar todo esforço de difusão cultural e científica.
É de se esperar que uma tal iniciativa se converta, em tempo oportuno, em uma bela exposição de revistas do acervo. E, acreditem, há revistas que atingiram, por seu apuro técnico, o patamar de verdeiros tesouros das artes gráficas.
SERVIÇO: para ter acesso à programação completa, acesse o link:
https://www.bbm.usp.br/
Referências citadas:
EDIÇÕES FAC-SÍMILES:
Almanach Litterario de São Paulo para o anno de [1877-1885]. Publicado por José Maria Lisboa. Edição fac-similar, de 1877 a 1885. São Paulo: IMESP/DAESP, 1983. 6v.
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Provincia de São Paulo. Edição fac-similar dos anos de 1857-1858. São Paulo: IMESP/DAESP, 1983. 2v.
Cabrião. Semanário humorístico editado por Angelo Agostini, Américo de Campos e Antonio Manoel dos Reis, 1866-1867. Edição fac-similar. 2ªedição revista e aumentada. Introdução de Delio Freire dos Santos. São Paulo: Unesp; Imprensa Oficial, 2000.
Diabo Coxo. 1864-1865. Edição Fac-similar. São Paulo: Edusp; Academia Paulista de História, 2005.
Illustração Paulista, de 1911 a 1913.
Indicador de São Paulo. Administrativo, judicial, industrial, profissional e comercial. Para o ano de 1878, organizado por Abílio S. Marques. Edição fac-similar. São Paulo: IMESP/DAESP, 1983.
O Tamoyo (1823). Coleção Fac-Similar de Jornais Antigos. Direção de Rubens Borba de Moraes. Introdução de Caio Prado Jr. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1944.
BIBLIOGRAFIA CITADA:
CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em papel e tinta.Periodismo e vida urbana (1890-1915). São Paulo: Educ; Fapesp, 2000.
FREITAS, Affonso de. “A Imprensa Periódica de São Paulo”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, vol. XIX, 1914.
RIZZINI, Carlos. O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil. São Paulo: IMESP, 1988.
TOLEDO, Lafayette de. "Imprensa Paulista". Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, vol. III, 1898.
SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
MARTINS, Ana Luiza. Revistas, em revista:imprensa e práticas culturais em tempos de república. São Paulo: Edusp; Imesp, 2001.
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